STELA ANANDA DE BARROS
Eram apenas dois os que tocavam! Naquela noite estavam quatro pessoas no salão principal e mais uma dúzia e meia que comia e conversava no espaço Gourmet. Daqueles que dividiam o salão cultural com os músicos, sombreavam apenas descrições simplórias dos restos de pensamentos que escapuliam de suas mentes, amadurecidas e acariciadas pela música que os cingia. Porém a discrição – que poderia ser bem o adjetivo que os caracterizava – por mais esforço que fizesse, não atenuava a aparente insalubridade dos rostos. Eram tão visíveis e reluzentes para mim que nem a alegria ou as conversas animadas com vinho, cafés, e pães de lá de fora puderam desprender-me da atenção que os dedicava em silêncio. Seriam eles os verdadeiros vivos aqui? Tão vivos... Sem estereótipos? Inteiros, plenos, por dentro: pura alma! Eles? Será? Reverentes, atentos a cada nota; tons e compassos. Seria o Som objeto promitente da sua ressurreição? Seria o da minha própria? Tira-nos dessa insossa mortalidade – pareciam pedir – arrebata-nos à uma imortalidade breve, intensa, serena e gloriosa! Eu já estava tão íntima do espaço, que quase conseguia fundir os sons e separá-los, fundir, e separá-los, fundir e separá-los... Quanto aos outros? Não sei! Não os notei! Sentia algo parecido com seu cheiro, uma mistura! Talvez usassem jeans, Dior, Chanel. Não, talvez não aqui no Brasil, por certo, Rosa Chá; Guaraná; C&A! Quem sabe? Naquela mescla de sabores e gestos o que importava realmente eram as batidas que escoavam e ecoavam daquela enorme caixa de cimento pintada de verde, com portas de vidro e teto branco. Um templo? Possivelmente. Ali mesmo residia a reverência e o respeito profundo daqueles quatro que assistiam. Um verdadeiro santuário musical; vazante no vazio; mas que dos nossos vazios criava seus ecos! Seus profetas? Os músicos, claro! Intérpretes natos da palavra dos céus e tradutores originais da voz do alto! Seus instrumentos? Verdadeiros objetos de manipulação espiritual, nos manipulavam a todos com aqueles ritmos. Morfina pra felicidade, soavam! Sorrisos de canto de boca surgiam ao sentirmo-nos tocados pelas palavras ocultadas em cadências quase materiais. Apenas O Sax; O Teclado e seus objetos (dois homens) o suficiente para menear nossos pés e mãos e sacar dos nossos ombros um balanço discreto. Era sobre-humano. Senti-me então pequena.
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