Interessantíssima essa entrevista de Toots ao reporter Dalwton Moura, do jornal Diário do Nordeste, de Fortaleza, hoje. Há informações curiosas e valiosas para os amantes do jazz e da música brasileira da qual Toots Thielemans é um grande entusiasta.
Ele tocou com Louis Armstrong, Charlie Parker, Miles Davis. Entusiasta da música brasileira, também com Elis Regina, Chico Buarque, Ivan Lins, César Camargo Mariano. Aos 86 anos, o belga Toots Thielemans vem ao Ceará para a décima edição do Festival Jazz & Blues, com shows em Guaramiranga e Fortaleza. Antes, conversou, via e-mail, com o Caderno 3
Já há alguns anos havia uma expectativa sobre uma participação sua no Festival de Guaramiranga. O que levou a que sua presença só se confirmasse agora? Qual sua expectativa?
Na minha idade (86, quase 87), ainda estou em boa forma e sou muito requisitado. Por isso as ofertas para show têm que se encaixar na agenda, que às vezes é muito concorrida. Estamos felizes que esse ano tenhamos tido condições de aceitar a oferta. O Brasil tem um lugar especial no meu coração. Quando meu empresário me disse que a oferta era justa e viável, eu aceitei imediatamente.
O fato de poder trazer os seus próprios músicos (foi decisivo)?
Viajar da Europa ao Brasil demanda muita energia. Quando você toca com músicos locais, precisa de ensaios extra, conhecer os músicos, adaptar o repertório. Por isso prefiro vir com meus músicos, guardar energia para os shows. Obviamente, não iria dizer ´Não´ se Ivan Lins pudesse aparecer...
Como é estar no palco com esses músicos (o baterista Bruno Castelucci, o baixista Bart de Noolf e o pianista Karel Boehlee)?
Nós tocamos juntos com freqüência na Europa, no Japão e, na última vez em 2006, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Eles conhecem o repertório, são versáteis e me dão o apoio necessário. Além disso, somos amigos muito próximos.
Você apontaria alguns destaques no show? O público pode esperar releituras de músicas brasileiras?
É difícil dizer. Cada platéia reage de uma forma diferente. Nós tocamos com sinceridade, do coração, e esperamos um bom diálogo com o público. A reação da platéia é sempre muito importante. E acho que a maioria das pessoas sabe de minha afinidade com o Brasil, a música e os músicos brasileiros, pelos quais tenho um grande respeito.
Poderia falar um pouco sobre a composição de ´Bluesette´? Muitos grandes nomes do jazz contam que, ao compor músicas que viriam a fazer grande sucesso, não tinham a mínima idéia, ou pretensão, de que isso viesse a acontecer. Foi esse o caso com essa música?
Eu estava em um show em Bruxelas, dividindo o camarim com (o violinista francês) Stephane Grappelli. Estava tocando minha guitarra, Stephane ouviu e disse: ´Mon cher Toots, c´est joli´. (´Meu caro Toots, isso é bom´). Eu respondi: ´Stephane, você me inspira´. Primeiramente, dei à música o nome de ´Bluette´, em referência à pequena flor azul dos campos. Depois, um produtor sueco me disse: ´Toots, é um blues, por que você não põe o ´s´ no nome?´. Ela nunca foi um sucesso, mas foi um bom cartão de apresentação.
Sendo referência como gaitista, chama atenção o fato de você ter começado sua carreira como guitarrista. Quais são as lembranças de tocar a guitarra, no começo?
Até dois anos atrás, eu continuava tocando guitarra. E antes de passer por um derrame (há mais de 20 anos), eu tocava muito bem. Comecei minha carreira como guitarrista, tendo eventualmente a chance de tocar a gaita, por exemplo, com Benny Goodman, George Shearing. Comecei a ser um pouco conhecido quando passei a assoviar e tocar a guitarra em uníssono. Aprendi muito sobre harmonia, através da guitarra.
Tendo tocado com os maiores nomes do jazz, quais você diria que tiveram uma influência particular, mais forte, sobre a sua maneira de pensar a música e de tocar?
Django Reinhardt, Louis Armstrong, Bill Evans, Charlie Parker, Miles Davis, Jaco Pastorius e muitos, muitos outros. Eu ainda continuo ouvindo o que acontece hoje. Meu iPhone me ajuda muito nisso. No Youtube também costumo ouvir o que está acontecendo atualmente. E aprendo o que tocar e o que não tocar.
Você concorda com os que o apontam como uma das últimas ´lendas vivas´ do jazz? Como você se sente com isso?
No último mês de outubro eu me tornei Jazz Master nos Estados Unidos. É a distinção mais alta que se pode conseguir como um músico de jazz nos EUA, principalmente porque sou o primeiro europeu. Claro que eu não toco melhor por causa desse título, mas admito que estou orgulhoso dele. Há alguns anos me tornei Comendador da Ordem do Rio Branco. O embaixador brasileiro me entregou essa homenagem e um ano depois o ministro da Cultura, Gilberto Gil, me entregou o diploma de honra. Tenho muito orgulho em ser reconhecido pelos brasileiros.
Qual o segredo para se manter ao longo de todo esse tempo, sem perder o rumo?
Às vezes você perde o rumo, mas a música lhe traz de volta ao caminho. Eu sempre digo: ´Siga o que lhe emociona´.Se você tivesse que indicar um momento ou acontecimento decisivo para a sua carreira musical – um ponto a partir do qual as coisas começaram a acontecer –, qual seria?Eu já estava interessado em música aos três anos de idade, mas fui realmente contaminado pelo virus do jazz quando ouvi pela primeira vez Louis Armstrong e os Mills Brothers.
Poderia nos falar um pouco sobre seu encontro com John Lennon? Lembra de alguma situação curiosa relacionada ao gaitista dos Beatles?
A primeira vez que os Beatles vieram a Nova York, eu fui enviado pela empresa de guitarras para mostrar a minha Rickenbacker a John Lennon. Ele tinha visto a guitarra na capa de um dos discos de George Shearing. E ele me disse, no seu sotaque de Liverpool: ´Se essa guitarra é boa o suficiente pra George Shearing, então com certeza é boa pra mim´.
Quais são as suas lembranças das oportunidades de tocar com músicos brasileiros? Elis Regina, Astrud Gilberto, César Camargo Mariano, que também vem ao festival...
O disco com Elis Regina ainda me emociona. E quando ouço os discos ´Toots Thielemans Brasil Project´ 1 e 2, me sinto muito orgulhoso. Essa produção foi feita por Miles Goodman e Oscar Castro-Neves, que tinha o telefone de todos esses grandes músicos, Eliane Elias, Gilberto Gil, Ivan Lins, Milton Nasciamento, Caetano Veloso, Luis Bonfá, Chico Buarque, Dori Caymmi, Djavan... Fui realmente abençoado pela contribuição de todos eles.
Ano passado, Ivan Lins fez dois shows lotados em Guaramiranga. Você costuma tocar músicas dele. Como definiria a influência dele sobre a sua música?
Nós já tocamos muito juntos e até excursionamos nos Estados Unidos e na Europa, com o ´Brasil Project´. Há alguns anos fizemos uma turnê com a Orquestra da Rádio da Dinamarca. Ele é um dos maiores músicos da atualidade. Em todos os meus shows eu toco uma música dele, e com muito prazer.
Algum novo gaitista brasileiro chama sua atenção? Você tem planos de aproveitar a viagem para entrar em contato com músicos locais?
Meu bom amigo Maurício Einhonrn me mantém informado sobre o que está acontecendo em termos de gaita no Brasil. Ele sempre me dá a chance de ouvir jovens músicos, muito interessantes. Muitos deles vêm aos meus shows, e sou sempre muito agradecido por esse interesse. Tenho no meu iPhone muitos discos desses músicos.
Tendo assistido a tantas mudanças ao longo da história da música e da indústria fonográfica, você lida bem com recursos como ´mp3-players´ e a troca de música pela Internet? Qual seu palpite sobre como essa forma de relacionamento das pessoas com a música vai se configurar no futuro?
Eu tento seguir o mercado e ouço muita música usando o iPhone. Meu empresário baixa (legalmente) várias músicas, a meu pedido. Quanto aos negócios, acho que o mercado sempre vai encontrar uma maneira de fazer a coisa acontecer. No meu campo de ´jazz´, a maior parte do que ganho vem dos shows.
Para terminar, uma pergunta do flautista e professor cearense Heriberto Porto, que morou na Bélgica por 12 anos e tocou com o baterista Ian de Hass. Pergunta se você pretende tocar aqui alguma canção de Jacques Brel, como ´Ne me quitte pas´.
Jan de Haas é um ótimo baterista, e eu trabalho freqüentemente com ele na Europa. Ele mora perto de mim. E, se a platéia quiser ouvir ´Ne me quitte pas´, vou ficar feliz em tocar.
DALWTON MOURA Repórter
Mais informações:
Toots Thielemans se apresenta na terça, 24/2, em Guaramiranga e na quinta, 26/2, no Theatro José de Alencar, em Fortaleza. Ingressos: R$70,00/R$35,00 (meia). Informações: www.jazzeblues.com.br e (85) 3262-7230.
Leia mais sobre o festival no caderno especial Jazz & Blues http://diariodonordeste.globo.com/caderno.asp?codigo=182&CodigoEd=
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