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sexta-feira, 17 de julho de 2009

LADY DAY.

Billie Holiday (07.04.1915/17.07.1959) morria há 50 anos, aos 44 anos.

“Billie Holiday cantava como uma deusa e sabia disso. Uma deusa não arranha sua divindade com movimentos prosaicos diante dos mortais. Sua voz deve bastar. Por isso Billie cantava imóvel, quase como uma estátua.

Não deixava que seu corpo se entregasse à canção. Com os braços retos em direção ao chão, dava, no máximo, tapinhas de leve na coxa com a mão direita, estalava silenciosamente os dedos da mão esquerda e marcava o ritmo de forma quase imperceptível com o pé. À luz azulada da boate, era como se estivesse plantada sobre um pedestal. Às vezes inclinava suavemente a cabeca — não para dirigir-se à platéia, mas para comunicar-se com seus músicos pelo olhar.

Eles entendiam esse olhar: podia ser de aprovação, de prazer, até de gozo supremo. Ela era um deles e falavam uma linguagem de adoração mútua.

Se uma mesa de estranhos, não iniciados no culto, conversasse ou perturbasse a música com seus drinques e talheres, o garçom se aproximava e sussurrava ao ouvido do que parecesse o maioral: ‘Lady lamenta que os senhores não estejam gostando. por favor, paguem e saiam…’
Lady era Billie Holiday. Lady Day..”

A postura distante da cantora no palco, portanto, estava longe do carisma do “entertainer” — Lady Day entrava em cena exigindo ocupar seu lugar de direito, o centro de uma atenção silenciosa e reverencial (Ruy também conta que certa vez Sinatra, sentado na plateia, incomodado com um inconveniente que não parava de falar durante o show, nocauteou o indivíduo repetindo o mantra: “ninguém fala quando Lady canta”.

Lady sabia desde o início seu tamanho, gigantesco, perante seu público — contrastando, Ruy ressalta, com sua estatura de 1m65cm. Também o mito no palco era maior e mais glorioso que muitos dos episódios da sua vida real: filha de um casamento problemático, pais que se casaram quando ela já havia nascido (e daí, dirão alguns? Daí que isso fazia diferença em 1915), prostituição na juventude, errância por espeluncas até ser descoberta cantando no Harlem em 1933. Foi nesse ano que gravou seu primeiro disco — como crooner de um grupo, como a maioria dos intérpretes do período — no caso dela, o grupo era o do clarinetista e futuro rei do suingue Benny Goodman.

Sua interpretação para Strange Fruit é até hoje, em qualquer contexto, uma das coisas mais impactantes já escritas sobre o drama da escravidão negra:
“Lady cantava devagar, arrastando a voz em relação ao andamento do piano, sem pressa de acompanhá-lo. Quando cantava “Strange Fruit”, a canção que falava de negros pendurados nas árvores como frutos para os corvos — tema de encerramento de seus shows desde 1939 — o silêncio esmagava a sala.
O serviço era interrompido, os garçons postavam-se nos cantos, o barman pousava a coqueteleira.
As luzes se apagavam, exceto por um spot sobre sua cabeça e as lágrimas que ela invariavelmente produzia escorriam-lhe como prata sobre o rosto. Sua platéia também chorava, mas engolia o choro.

As palmas explodiam, mas Lady ignorava os gritos de bis e não se curvava para agradecer. Virava-se e saía devagar em direção ao camarim, tão devagar quanto cantava, caminhando com imperial dignidade.
As luzes se acendiam aos poucos, mas o ambiente ficava impregnado de de “Strange Fruit” — e de Lady Day.
Lady mesmo, da cabeça aos pés.

Ruy Castro, em “Saudades do Século 20″


Strange Fruit: http://www.youtube.com/watch?v=h4ZyuULy9zs

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