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segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Rumpilezz por dentro

Published
by
Katherine Funke

Revista Muito

Letieres Leite, 49, de repente apaga, no meio da nossa conversa. Noto que seus olhos vão ficando pesados, o queixo se abre e, num traçado lento de sua cabeça em direção ao peito, ele começa a sonhar. Assim, na mesa, diante das sobras do ensopado de camarão, diante de Toninho Horta ­- sem pudores.
Pudera: durante as madrugadas, ele quase não dorme. Trabalha. Prepara arranjos para as participações especiais e novas músicas do repertório do show da Orkestra Rumpilezz. De manhã e de tarde, se empenha em dar aulas em seu projeto Rumpilezz de Saia (em que ensina a mulheres as manhas da música profissional, gratuitamente) ou ensaia com os times master ou júnior da big band. Não sobra muito tempo para deitar na rede e curtir a brisa do mar de Soterópolis.
Na semana em que fizemos a reportagem, Leite estava com a responsabilidade de tocar com Toninho Horta. Não só uma música em um show efêmero, mas numa gravação para o novo disco do mineiro, Harmonia e Vozes, feito em comemoração tripla: 40 anos de carreira, 60 de idade e 100 anos de idade da mãe (”Minha mãe toca bandolim nas costas; o pai dela foi maestro”, contou Toninho para a Muito).
Reconhecido mestre das harmonias, Horta resolveu gravar um disco só de baladas pop. Chamou Frejat, Djavan, Milton Nascimento. E convidou Ivete Sangalo para gravar “Diana”. Quem fez o arranjo? Letieres Leite, que já trabalha com Ivete há anos e também fez arranjos para Lulu Santos, Elba Ramalho, Olodum. E até já regeu Hermeto Pascoal e trabalhou sob direção de Naná Vasconcelos e Gilberto Gil.
Letieres resolveu arranjar “Diana” não só para a versão de Ivete para o disco, mas também para uma versão paralela, tocada por todos os 14 sopros e cinco percussionistas da Rumpilezz, que comanda desde 2006. Escreveu na madrugada anterior ao show e o resultado surpreendeu Horta. “Tem que ser craque para escrever assim”, disse o mineiro.
E o maestro que costuma “dar umas pescadas” de sono por aí ainda deseja mais trabalho. “Quero tocar outra de Toninho, bem candomblezista: Vôo dos urubus, um tema instrumental antigo, do disco Toninho Horta (EMI, 1980)”. Letieres sempre quer mais. Sua mãe, Maria do Carmo dos Santos, 73, conta que ter uma orquestra como a Rumpilezz é sonho de muito tempo. E revela: “Ele é muito corajoso”.

REPERTÓRIO
Agora que está tudo acontecendo, com Ed Motta e Stanley Jordan à frente dos músicos que estão ajudando a divulgar a orquestra baiana para o mundo, não dá tempo para pedir um tempo e descansar. Daí os cochilos súbidos de cinco minutos no meio de uma conversa ou de um ensaio. “Isso é bem comum, porque a vida dele é uma loucura”, segreda André Becker, 42, flautista e saxofonista que assume a regência da Rumpilezz na ausência do maestro.
É hora de agir. Desafios estão por todos os lados. Como se não bastasse toda a energia em torno do repertório já consolidado e apresentado no Teatro Jorge Amado às segundas-feiras, Letieres inclui novas composições próprias, convida parceiros e anuncia que quer fazer arranjos para bandas de rock, ampliando a experiência que fez com a Retrofoguetes, no disco Chachachá.
Não páram de chegar convites para que a Orkestra toque músicas de outros compositores. “Mas tem peças do próprio Letieres que ainda estão na fila”, conta Becker, “e fazer esses arranjos daquela maneira é algo que toma tempo”.
Para aumentar ainda mais a carga de energia em torno do projeto, a semana paralela da Rumpilezz é agitada. Cada músico tem outras bandas para tocar (não qualquer banda, mas as de Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Banda Eva, Carlinhos Brown), com agendas de ensaio e shows diferentes, afora o cronograma de aulas particulares que muitos deles oferecem pelo prazer de ensinar e para complementar a renda.
Gabi Guedes, 47, o mestre de percussão que tocou dez anos com Jimmy Cliff, por exemplo: dá aulas particulares em Salvador a vai anualmente ministrar oficinas na Alemanha e na Suíça. Ano passado, passou três meses trabalhando no Born To Samba, tour europeu que mostrou os ritmos brasileiros para os gringos. Além da Rumpilezz, acompanha outros artistas e, às terças-feiras, faz questão de dar uma passada no show de Geronimo.
Quem tem pouca idade e já integra esse timaço gasta a maior do tempo, mesmo, estudando música. Ícaro Sá, 19, conta que Letieres é exigente e vai na maioria dos ensaios. Fica de olho nas dinâmicas e não deixa de dar orientações de maestro. “Ele é meu padrinho e acho bom que cobre mesmo de mim”, brinca Sá, aluno do curso de música popular da Ufba. “É um grande aprendizado e uma enorme realização profissional e pessoal. Com dois anos de idade, já falava que queria tocar com ele quando crescesse”.
No meio desse redemoinho, Letieres ainda mantém a ideia de ensinar percussão e sopro para um grupo de 20 mulheres (que não pára de aumentar), na Casa Rumpilezz, em Amaralina. “O meio musical é muito machista”, diz ele, “vemos poucas mulheres não porque elas não tem competência, mas porque não dão espaço para elas”. Do grupo fazem parte diferentes tipos de mulheres, desde as que nunca pisaram num palco, até Katê, do Voa Dois.
O tempo não pára. Já é de noite. Nosso almoço-entrevista quase vira jantar, mas o jantar vai ser com outro entrevistador. John Finn, da Universidade Estadual do Arizona, quer o depoimento de Letieers para seu doutorado em geografia cultural. No mesmo dia em que gravou para o disco de Toninho Horta e deu entrevista para a Muito, lá segue Leite para outra bateria de perguntas.
“Sempre aparecem pesquisadores como John e eu acho ótimo recebê-los. Um deles, Salim Washington, fez uma tese sobre o som da Rumpilezz para Harvard”, conta, antes de partir para o novo compromisso. Com essa agenda tão cheia, esperemos que ainda sobre um tempo para apenas curtir o sabor do sucesso.
SAIBA MAIS http://www.rumpilezz.com/

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