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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

JOEL NASCIMENTO E HAMILTON DE HOLANDA – DE BANDOLIM A BANDOLIM


No dia 17/12, antes que o céu desabasse sobre o Rio de Janeiro, Joel Nascimento ajeitava os óculos antes de dar a partida em seu Gol azul, modelo 1993. Horas antes, em uma tarde abafada, porém aprazível, não havia indícios do temporal que estaria por vir. No segundo copo de cerveja, Joel arrumava novamente os óculos e pedia que o repórter o ajudasse a ler a seguinte frase: "Duas escolas, dois estilos, uma grande afinidade, um só coração." A declaração de afeto nada mais é do que o encerramento do texto do encarte, escrito pelo punho do próprio Joel, em “De Bandolim a Bandolim”, disco recém-lançado por ele e Hamilton de Holanda, que foi apresentado,em 19/12, no Auditório Ibirapuera.

O show, que contou com a participação do violonista Rogério Caetano, é a coroação do álbum gravado em 2008. Mais do que isso. Como se não bastassem a confluência de talento e o encontro de duas gerações do instrumento que há séculos floreava melodias da música erudita - e que posteriormente se tornaria um ícone dos chorões nacionais -, nota-se no discurso dos dois bandolinistas, embora não tenham nenhum parentesco, uma admiração que beira a de pai para filho. "Falo com plena convicção, o Hamilton é um dos maiores músicos da atualidade deste país, e de toda América do Sul. O que ele vem fazendo com o instrumento é algo que não se fazia e muita gente está copiando", diz Joel, orgulhoso de seu pupilo.

De fato, a sentença do bandolinista, nascido no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, em 1937, não é nenhum devaneio. O que o instrumentista de 33 anos, nascido em São Cristóvão, faz não se resume apenas ao pleno domínio da técnica - habilidade de Hamilton tão reconhecida como afirmar que a pólvora explode. Seu bandolim é tocado com a inventividade exigida pelo sentimento; e com a humildade de alguém que não tivesse a mínima noção de sua genialidade. Hamilton enaltece o tempo inteiro a generosidade de Joel, mas, aberto ao diálogo, é daquelas pessoas que deveriam ser proibidas para diabéticos, de tão simples, doces e dóceis que são. "O que eu fiz no disco foi o acompanhamento, buscando acordes e harmonias diferentes, mas deixando aparecer o brilho merecido dos solos do Joel", conta Hamilton.

O resultado é um disco gravado apenas com dois bandolins, que em momento algum de cruzam ou se embolam. Muito se deve - além da tarimba dos dois - à aversão à cronologia em que “De Bandolim a Bandolim” foi feito, com merecido destaque na contracapa, com o seguinte recado: "Feito artesanalmente." A explicação é simples. Nas sessões de gravação, antes da dupla se dirigir ao estúdio, no bairro do Recreio, no Rio de Janeiro, Joel passava na casa de Hamilton e, em busca de uma sonoridade que os agradasse. Ali, trocava as cordas de seus bandolins feitos pelos luthiers Soros (1974) e Tércio Ribeiro (2008), e alterava a madeira de seus instrumentos.

Se, em virtude disso, a limpidez do som não deixa nenhuma dúvida em relação à qualidade atingida, questionamentos podem surgir dos mais reacionários em relação ao repertório por se tratar de um disco gravado por dois bandolinistas. É um disco de choro? "Faz um passeio, contando a história do instrumento, mas é um álbum, acima de tudo, de música", diz Joel. "Mais do que isso, pelo que o Hamilton faz com seu bandolim de 10 cordas (o tradicional tem oito), é um álbum didático, que também conta a história do instrumento. E feito com sinceridade, pois, na hora de escolher o que iríamos gravar nunca pensamos se as músicas poderiam agradar ao público, nunca visamos ao sucesso", diz Joel. "A gente apenas se juntou pra tocar o que gosta, não teve nada premeditado", diz Hamilton.

De fato, “De Bandolim a Bandolim” consegue mapear a trajetória do instrumento, unindo tradicional e contemporâneo. Como não poderia deixar de ser, o disco traz temas de chorões, como Pixinguinha (Os Cinco Companheiros), Jacob do Bandolim (Falta-me Você) e Ernesto Nazareth (Gotas de Ouro), além de registrar as suingadas e maliciosas Tu Passaste por Este Jardim, de Catulo da Paixão Cearense e Alfredo Dutra, e O Bom Filho à Casa Torna, de Bonfiglio de Oliveira.

Justificando a declaração de Joel de que não se trata de um disco de choro, fugindo do campo nacional, a dupla fez um registro singular do antológico tango Por una Cabeza (Carlos Gardel e Alfredo Le Pera). Indo mais longe ainda, espontaneamente encontrou no repertório erudito um grande diferencial para o álbum, com um trecho do segundo movimento do Concerto para Bandolim e Orquestra (Radamés Gnattali), e composições de Bach, Vivaldi e Beethoven. Com exceção do tema de Vivaldi, todos os outros clássicos contaram com transcrições para o bandolim de 10 cordas, de forma inovadora e fiel. "Não fizemos arranjos, mas transcrições. Não tem como mexer nessas obras. Seria como alterar a Monalisa e querer colocar o sorriso dela mais puxado para um lado. Ficaria muito estranho", brinca Joel.

Fonte: OESP / Lucas Nobile
Colaboração : Gileno Xavier

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