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sábado, 30 de janeiro de 2010

PIANISTA MARCELO BRATKE LANÇA OBRA DE VILLA-LOBOS NO EXTERIOR


Um compositor erudito com alma popular ou um compositor popular com espírito erudito? Na hora de definir o legado de Villa-Lobos, o pianista Marcelo Bratke, na foto, encontra espaço para ambas as definições. E vai além - a compreensão da obra do autor das Bachianas passa necessariamente por um equilíbrio entre as duas. Bratke lança este mês no mercado internacional o primeiro de oito discos em que vai registrar a integral para piano do compositor (selo Quartz e, no Brasil, Biscoito Fino). A iniciativa integra um projeto mais amplo, o Villa-Lobos Worldwide, que inclui, além dos discos, uma série de apresentações em todo o mundo ao lado de artistas convidados (The Villa-Lobos Event) e recitais-solo com estrutura temática (Villa-Lobos & Brasil e Carnaval Trilogy). Na entrevista a seguir, Bratke fala sobre o nascimento do projeto e discute a importância de Villa-Lobos no cenário nacional e internacional. "É com Villa-Lobos que surge uma árvore genealógica na música brasileira, da qual compositores eruditos e populares herdaram uma estética que mostra os vários Brasis que existem no nosso país", diz.

Como surgiu o projeto Villa-Lobos Worldwide?

Sempre me identifiquei com a sua música mas, a partir dos anos 90, comecei a inserir as suas obras em concertos que realizava no exterior e fui notando que o público ficava curioso. Na maioria dos casos, as pessoas sabiam que Villa-Lobos era o maior compositor brasileiro e só isso; desconheciam a sua obra. Percebi que sua música era pouco programada nas grandes salas de concerto do exterior. No início de 2008 fui convidado para realizar um concerto no Carnegie Hall e já com o intuito de divulgar Villa-Lobos no exterior de uma maneira mais ampla, tive a ideia de fazer em Nova York um programa inteiro homenageando a sua obra. Um programa radical, que propunha diálogo entre a sua música e peças de outros compositores que o influenciaram ou que por ele foram influenciados, como Bach e Tom Jobim, da música erudita ao universo popular. Com a boa recepção do projeto, fui falar com a gravadora Quartz e eles gostaram da ideia da campanha de divulgação internacional da obra de Villa-Lobos e me contrataram para gravar a obra integral para piano-solo.

Por que gravar sua integral para piano?

Para encontrar e deixar explícito o equilíbrio entre a influência da cultura popular e os elementos de um modernismo particular que ele desenvolveu na sua obra, relação que não é devidamente explorada. São fraseados diferentes, texturas sonoras, ritmos, timbres, gingas, sons que lembram instrumentos de percussão e sons da natureza que eu sempre ouvia nas entrelinhas da sua música. Quando o projeto da gravação se concretizou, vieram outras ideias e ampliei o projeto com concertos internacionais, concertos voltados para um público infantil e um documentário em inglês para TV sobre o mundo imaginário de Villa-Lobos, que será feito em colaboração com as artistas plásticas Mariannita Luzzati e Renata Padovan. Coincidentemente, o Ministério das Relações Exteriores escolheu o DVD Alma Brasileira, no qual dirijo a Camerata Vale Música, para uma ação internacional que distribuirá o DVD a cinco mil diplomatas brasileiros e estrangeiros pelo mundo. Depois de Nova York, realizei concertos do Villa-Lobos Worldwide em Tóquio, Nagoya, Londres, Frankfurt, Bruxelas e Belgrado. Em 2010, o projeto Villa-Lobos Worldwide segue para 7 cidades do Leste Europeu.

Em que medida o trabalho conjunto e o trabalho solitário ao piano dialogam e se alimentam entre si?

Os concertos com convidados acabam articulando ângulos diferentes na percepção do universo de Villa-Lobos, pois ele é um compositor totalmente "em aberto". Eles alimentam o trabalho-solo e vice-versa. Ambos trazem ideias para as gravações, assim como os concertos para as crianças que realizei na Escola das Nações Unidas em Nova York e em várias escolas do Japão me trouxeram outras revelações que procuro absorver no projeto.

Uma integral de um compositor pode subentender um corpo coeso de obras. No caso da integral para piano de Villa-Lobos, é isso o que acontece?

Vejo Villa-Lobos como um compositor multidirecional. Há muitas faces que apontam para lugares diferentes. Ele era como uma espécie de antena captando tudo ao seu redor. Inspirado em Bach, no modernismo europeu, nos ritmos regionais do folclore brasileiro, na natureza e no universo infantil. A verdade é que ele transformava tudo em Villa-Lobos, como um antropófago. Pretendo fazer com que cada CD tenha um tema característico do seu mundo imaginário. Por exemplo, o primeiro CD é inspirado no universo infantil brasileiro, muito ligado ao folclore com uma textura harmônica sem grandes dissonâncias, mas que revela uma fisionomia rítmica muito diversificada.

Na obra de Villa-Lobos, erudito e popular dialogam de modo muito rico - de certa forma, ele sugeriu a ausência de limites que pautou boa parte da produção musical brasileira nas décadas seguintes. Qual a importância desse elemento em seu legado?

É isso que gostaria de oferecer ao público: um equilíbrio entre o "compositor erudito com alma popular" e o "compositor popular com espírito erudito" que existem em Villa. É aí que surge esta árvore genealógica na música brasileira, da qual compositores eruditos e populares herdaram uma estética que mostra os vários Brasis que existem no nosso país. Nesta ausência de limites que você cita está o objetivo artístico desse projeto. Se não há fronteiras como o próprio Villa dizia, gostaria que os ouvintes dessas obras não pensassem se é erudito ou popular e simplesmente vivenciassem a música. Para isso, a minha leitura busca revelar aquilo que sempre ouvi nas entrelinhas da sua música. Este elemento que marca o seu legado; a falta de barreiras entre a cultura popular e erudita e a vontade de inovar. Talvez seja este o maior produto de exportação de conteúdo da cultura brasileira, e Villa-Lobos nos revela esse fato.

Fonte : OESP / João Luiz Sampaio
Colaboração : Gileno Xavier

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