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sábado, 29 de janeiro de 2011

Pra que discutir com madame? E Pelo "tombamento" de João Gilberto

RUY CASTRO - Folha de São Paulo


RIO DE JANEIRO - Deu no jornal: João Gilberto, o cantor, está ameaçado de despejo do apartamento alugado em que mora no Leblon. A proprietária é uma senhora da sociedade carioca e internacional, com título de condessa e dona de vários imóveis. O problema não envolve dinheiro, mas o que a senhoria acha um abuso: ele não deixa ninguém entrar ali, nem para fazer obras que ela julga necessárias.
O que, para muita gente, pode ser uma surpresa é a revelação de que João Gilberto, que fará 80 anos em junho próximo, não tem casa própria. Não tem, nunca teve. É verdade que, em mais de uma ocasião, fez contratos que lhe teriam permitido comprar à vista o que quisesse e resolver o problema. Mas a volúpia da propriedade não é seu estilo.
Nem de outros do seu círculo. Vinicius de Moraes passou a vida morando nas casas de sua família na Gávea ou pagando aluguel. Lucio Alves, um dos dois ou três maiores cantores da história deste país, estava sendo despejado no ano em que morreu, 1993. E não me consta que, algum dia, João Donato, Johnny Alf, Newton Mendonça, fossem proprietários -a ideia de assinar escrituras, pagar imposto predial e votar em reuniões de condomínio parecia não combinar com o ideário da bossa nova.
João Gilberto não gosta de interferências no seu dia-a-dia. Eu também não gosto, assim como você e todo mundo. João Gilberto talvez apenas radicalize esse gosto pela reclusão, no que está no seu direito. Em compensação, nunca processou jornalistas ou escritores que ousaram "violar" sua intimidade.
A condessa devia conhecer João Gilberto quando o aceitou como inquilino. Cabe-lhe, portanto, relaxar e, no futuro, orgulhar-se de que ele morou num de seus imóveis, entre cujas paredes quantas maravilhas não criou ao violão. Mas, se madame não vê isto, diria o samba, pra que discutir com madame?


Pelo "tombamento" de João Gilberto
Enviado por luisnassif, qui, 27/01/2011 - 19:47

Ele é o símbolo maior do movimento musical que projetou no mundo a imagem de um país jovem, moderno, vibrante e criativo. É patrimônio nacional. Conseguiu internacionalizar de maneira nunca antes vista a música brasileira, sem nunca perder as raízes, a paixão por tudo o que significasse Brasil.
No momento atual, em que ventos fascistas cobriram de preconceito o povo, manifestações populares, tudo o que cheirasse Brasil, em nome de um falso internacionalismo, ele continua sendo a referência maior, o criador que definiu a síntese brasileira, colocou no mesmo pote Geraldo Pereira, Caymmi, Ary, Tom, Menescal e Lyra, o jazz e os conjuntos vocais brasileiros.
Não haverá exagero em considerá-lo como um dos formadores do Brasil moderno.
Pois João Gilberto, o instável João, o doce e intratável, o frágil, passa pelos momentos mais difíceis de sua vida. Perto dos 80 anos, com filha nova, de um casamento novo, está sendo despejado do seu apartamento. Não tem muitas condições mais para shows, os direitos autorais estão escasseando e ele parece cada vez mais introspectivo, mais fechado, mais triste.
No seu perfil no Facebook, lança apelos mudos, frases de auto-ajuda e Brasil, Brasil e Brasil. Dia desses postou um vídeo ilustrado com imagens de filmes de Mário Peixoto. Houve quem interpretasse como um SOS mudo para Waltinho Salles, que resgatou Peixoto e sua obra.
Sabe-se lá se foi ou não, mas muitos imaginaram que o Instituto Moreira Salles poderia "tombar" João.
Não é pouca coisa. Nas próximas semanas o Rio estará inundado de turistas do mundo inteiro, muitos atraídos pela bossa nova, pelo doce lirismo de João. O país que está se consolidando exige a convivência do moderno com a história, do internacional com o Brasil profundo.
João representa tudo isso, a síntese que coroou os tempos de JK, o símbolo a ser redescoberto para esses novos tempos em que a auto-estima voltou e não pode ser convertida em xenofobia ou intolerância.
Tenho a impressão que o IMS, que nasceu do mais internacional dos brasileiros, do mais brasileiro dos internacionais, se interessará em ouvir os apelos mudos de João Gilberto. Se não ele, empresas, ONGs, associações, governantes comprometidos com a construção de um Brasil moderno e eterno, tal qual as canções de João Gilberto.

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