
Aos 75 anos e sempre renovando
Por Lucas Nobile - Agência Estado
Um mito só cai pelas mãos de outro. Nos anos 1970, como de costume,
Miles Davis chegava aos palcos de suas apresentações passando pelo meio
da plateia. O americano seguia decidido, passos firmes, sem nunca
dirigir olhares nem palavras a alguém do público. Abriu uma exceção
certa noite.
Encarou de perto a figura excêntrica de Hermeto Pascoal e soltou algumas
palavras em inglês, traduzidas pelo baterista e compositor Airto
Moreira, que na época integrava a banda de Miles e havia levado o
multi-instrumentista ao show.
Dias depois, Hermeto atendeu ao pedido e foi ao encontro do jazzista
para lhe mostrar algumas composições. A história é pitoresca, mas horas
depois de apresentar seus temas no violão, o brasileiro foi convidado
por Miles a enfrentá-lo ali mesmo, em um ringue de boxe de sua
propriedade. Como os olhos de Hermeto ficam sempre rodando e apontando
cada um para um lado, o americano foi surpreendido com um soco na cara e
desabou.
Miles levou na esportiva. Tempos depois, por falta de lisura de seus
agentes, de uma maneira ou de outra acabou devolvendo o golpe ao gravar
duas composições de Hermeto, Nem um talvez e Igrejinha, ocultando da
ficha técnica dos discos o devido crédito ao verdadeiro compositor das
músicas. O brasileiro não recebe direitos autorais relativo aos dois
temas até hoje, mas não reclama. Nunca criou guiado por caça-níqueis.
“Tem muita gente aí fazendo música com apelo comercial que deveria ser
presa. Cada nota musical deles é tão ruim que é como um tiro no peito da
gente. E não venha com desculpa de ter de pagar o aluguel. Eu prefiro
ficar devendo, como já fiz, do que fazer música ruim”, diz Hermeto.
O músico, nascido em Lagoa da Canoa, no município de Arapiraca, em
Alagoas, já viveu no Rio, em São Paulo e há sete anos e meio mora no
bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, com sua mulher e também
musicista Aline Morena. Um dos maiores revolucionários da música
brasileira, “100% intuitivo” e influenciando diversas gerações, seja no
piano, na sanfona, na flauta, na chaleira ou na bomba de encher bola,
Hermeto segue em plena efervescência criativa, aos 75 anos, comemorados
quarta-feira.
Os eventos relativos às sete décadas e meia de vida do Mago de Lagoa da
Canoa se estendem até o ano que vem. Desde o dia do aniversário, com a
ajuda do pianista Jovino Santos Neto, que durante anos fez parte da
banda de Hermeto, o site do multi-instrumentista passou a oferecer
gratuitamente 41 partituras de temas inéditos do compositor.
Depois, em outubro e novembro, Hermeto segue com seu grupo em turnê pela
Europa, onde a série de shows servirá de ensaios para a gravação de um
DVD, com lançamento previsto para 2012.
Nos próximos meses, ainda em trabalho de edição, deve chegar ao mercado
o DVD da gravação do show gratuito que Hermeto fez em outubro de 2009,
no Parque do Ibirapuera, com o bandolinista e compositor Hamilton de
Holanda e seu quinteto. “Hermeto é uma grande árvore em que as frutas
são músicas, ritmos, melodias, e harmonias. O tempo passa, essa árvore
fica mais forte, e mais gente – do mundo todo – quer se alimentar desses
frutos vistosos e com muito sabor”, diz Hamilton, que já havia lançado
no começo deste ano o belo disco Gismontipascoal, ao lado do pianista
André Mehmari, enriquecendo temas de Hermeto e Egberto Gismonti, além de
gravar composições próprias.
Ainda hoje a música de Hermeto se renova de maneira impressionante.
Conhecido como figura folclórica e encarado por muitos como um maluco,
não se pode negar que a música do autor de temas como Bebê, Forró
Brasil, Chorinho pra Ele, Santo Antonio e São Jorge faz a cabeça de
diversas gerações há mais de 50 anos. “Na década de 70, eu estava nos
Estados Unidos com o Airto (Moreira) e a Flora (Purim) para gravar. O
Tom tinha me convidado para gravar Quebra pedra no disco dele. Começou a
tocar Garota de Ipanema, ele passou a mão na cabeça e me disse: ‘Eu já
estou cansado dessa música’. Fiquei assustado. E ele falou: ‘Hermeto, eu
gostaria de fazer um som como o do Quarteto Novo, aquele grupo de
vocês’. Aí eu disse pro Tom passar mais tempo no Brasil. Depois de uns
três meses apareceu É pau, é pedra... Àguas de março. Eu pensei: ah,
isso é bem brasileiro, bem nordestino. Graças a Deus, o Tom escutou o
que eu falei”, lembra.
Tom não foi o único. Anos antes, em 1967, o também craque Edu Lobo
venceu o Festival da Canção com Ponteio. Qual a banda que o acompanhava,
ao lado de Marília Medalha? O Quarteto Novo, com Hermeto, Airto Moreira,
Théo de Barros e Heraldo do Monte. No exterior, despertou o mesmo
fascínio sobre nomes como Bill Evans, Ron Carter, Herbie Mann e o
próprio Miles Davis.
O legado que Hermeto segue construindo não para de aumentar. Sempre
pensando em inovar, não apenas musicalmente, o compositor tem escrito
ultimamente seus temas em telas de pintura. Em sua casa, hoje são mais
de 200 “partituras-quadro”. “Quando se fala de Hermeto, tudo é em grande
quantidade. Antes, ele compunha uma por dia, agora são duas, três, com
muita qualidade”, diz Aline Morena.
Miles Davis chegava aos palcos de suas apresentações passando pelo meio
da plateia. O americano seguia decidido, passos firmes, sem nunca
dirigir olhares nem palavras a alguém do público. Abriu uma exceção
certa noite.
Encarou de perto a figura excêntrica de Hermeto Pascoal e soltou algumas
palavras em inglês, traduzidas pelo baterista e compositor Airto
Moreira, que na época integrava a banda de Miles e havia levado o
multi-instrumentista ao show.
Dias depois, Hermeto atendeu ao pedido e foi ao encontro do jazzista
para lhe mostrar algumas composições. A história é pitoresca, mas horas
depois de apresentar seus temas no violão, o brasileiro foi convidado
por Miles a enfrentá-lo ali mesmo, em um ringue de boxe de sua
propriedade. Como os olhos de Hermeto ficam sempre rodando e apontando
cada um para um lado, o americano foi surpreendido com um soco na cara e
desabou.
Miles levou na esportiva. Tempos depois, por falta de lisura de seus
agentes, de uma maneira ou de outra acabou devolvendo o golpe ao gravar
duas composições de Hermeto, Nem um talvez e Igrejinha, ocultando da
ficha técnica dos discos o devido crédito ao verdadeiro compositor das
músicas. O brasileiro não recebe direitos autorais relativo aos dois
temas até hoje, mas não reclama. Nunca criou guiado por caça-níqueis.
“Tem muita gente aí fazendo música com apelo comercial que deveria ser
presa. Cada nota musical deles é tão ruim que é como um tiro no peito da
gente. E não venha com desculpa de ter de pagar o aluguel. Eu prefiro
ficar devendo, como já fiz, do que fazer música ruim”, diz Hermeto.
O músico, nascido em Lagoa da Canoa, no município de Arapiraca, em
Alagoas, já viveu no Rio, em São Paulo e há sete anos e meio mora no
bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, com sua mulher e também
musicista Aline Morena. Um dos maiores revolucionários da música
brasileira, “100% intuitivo” e influenciando diversas gerações, seja no
piano, na sanfona, na flauta, na chaleira ou na bomba de encher bola,
Hermeto segue em plena efervescência criativa, aos 75 anos, comemorados
quarta-feira.
Os eventos relativos às sete décadas e meia de vida do Mago de Lagoa da
Canoa se estendem até o ano que vem. Desde o dia do aniversário, com a
ajuda do pianista Jovino Santos Neto, que durante anos fez parte da
banda de Hermeto, o site do multi-instrumentista passou a oferecer
gratuitamente 41 partituras de temas inéditos do compositor.
Depois, em outubro e novembro, Hermeto segue com seu grupo em turnê pela
Europa, onde a série de shows servirá de ensaios para a gravação de um
DVD, com lançamento previsto para 2012.
Nos próximos meses, ainda em trabalho de edição, deve chegar ao mercado
o DVD da gravação do show gratuito que Hermeto fez em outubro de 2009,
no Parque do Ibirapuera, com o bandolinista e compositor Hamilton de
Holanda e seu quinteto. “Hermeto é uma grande árvore em que as frutas
são músicas, ritmos, melodias, e harmonias. O tempo passa, essa árvore
fica mais forte, e mais gente – do mundo todo – quer se alimentar desses
frutos vistosos e com muito sabor”, diz Hamilton, que já havia lançado
no começo deste ano o belo disco Gismontipascoal, ao lado do pianista
André Mehmari, enriquecendo temas de Hermeto e Egberto Gismonti, além de
gravar composições próprias.
Ainda hoje a música de Hermeto se renova de maneira impressionante.
Conhecido como figura folclórica e encarado por muitos como um maluco,
não se pode negar que a música do autor de temas como Bebê, Forró
Brasil, Chorinho pra Ele, Santo Antonio e São Jorge faz a cabeça de
diversas gerações há mais de 50 anos. “Na década de 70, eu estava nos
Estados Unidos com o Airto (Moreira) e a Flora (Purim) para gravar. O
Tom tinha me convidado para gravar Quebra pedra no disco dele. Começou a
tocar Garota de Ipanema, ele passou a mão na cabeça e me disse: ‘Eu já
estou cansado dessa música’. Fiquei assustado. E ele falou: ‘Hermeto, eu
gostaria de fazer um som como o do Quarteto Novo, aquele grupo de
vocês’. Aí eu disse pro Tom passar mais tempo no Brasil. Depois de uns
três meses apareceu É pau, é pedra... Àguas de março. Eu pensei: ah,
isso é bem brasileiro, bem nordestino. Graças a Deus, o Tom escutou o
que eu falei”, lembra.
Tom não foi o único. Anos antes, em 1967, o também craque Edu Lobo
venceu o Festival da Canção com Ponteio. Qual a banda que o acompanhava,
ao lado de Marília Medalha? O Quarteto Novo, com Hermeto, Airto Moreira,
Théo de Barros e Heraldo do Monte. No exterior, despertou o mesmo
fascínio sobre nomes como Bill Evans, Ron Carter, Herbie Mann e o
próprio Miles Davis.
O legado que Hermeto segue construindo não para de aumentar. Sempre
pensando em inovar, não apenas musicalmente, o compositor tem escrito
ultimamente seus temas em telas de pintura. Em sua casa, hoje são mais
de 200 “partituras-quadro”. “Quando se fala de Hermeto, tudo é em grande
quantidade. Antes, ele compunha uma por dia, agora são duas, três, com
muita qualidade”, diz Aline Morena.
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