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segunda-feira, 6 de junho de 2011

JOÃO GILBERTO SEGUNDO ADERBAL DUARTE



Após muitos anos estudando a obra de João Gilberto, reconheço que em João conta mais como ele toca e não o que ele toca. Além da beleza de suas composições, ele redimensiona todas as obras que interpreta, salientando o cuidado, o rigor e a delicadeza, que constituem a sua personalidade.
Abolindo os conceitos tradicionais vigentes, mostrando com indiscutível eficácia que os recursos postos em circulação por ele representam a mais feliz substituição daqueles elementos, João Gilberto deu uma nova dimensão à música popular brasileira, chamando a atenção do próprio Tom Jobim, que, na contracapa do elepê Chega de Saudade, escreveu: “João Gilberto é um baiano bossa-nova de 27 anos. Em pouquíssimo tempo influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”.
O “violão popular”, que antes fazia parte de uma orquestração com bandolim, cavaquinho, pandeiro, flauta, etc. (conjunto regional), passou a ser dimensionado, também, como um poderoso instrumento de harmonia, baseado em uma das mais importantes riquezas da nossa cultura musical, o ritmo. Na música de João, o impulso rítmico constante dos acordes do acompanhamento é parte tão essencial à expressão musical, assim como, altura e timbre. Isso deixa claro que o valor expressivo de um acorde depende, também, de seu movimento. Ou seja, o balanço do violão, em sua música, é tão importante quanto à estrutura vertical dos acordes ou seu valor funcional.
É importante destacar, como fator de validade universal da sua criação, que ela se aplica a qualquer tema musical, independentemente de nacionalidade, época, gênero ou compositor. Canções italianas, americanas, francesas ou mexicanas, músicas brasileiras compostas na década de 1930, como Palpite Infeliz; na década de 1960, como Garota de Ipanema; ou na década de 1990, como Desde que o Samba é Samba; gêneros como valsa, balada, samba-canção, fox, etc., são exemplos no universo de sua obra.

Segundo a definição de F. Zilbersztain, em um artigo intitulado A Voz do Brasil, “a sonoridade do nylon das cordas reverberando no pinho - especialmente no balanço do samba - se consolidou como a própria voz do Brasil, projetando o País como um celeiro de músicos tão geniais que transformaram até o jazz, o mais vanguardista dos gêneros musicais”.

Tradicionalmente, o compositor e sua obra é que servem como paradigmas para a compreensão de um determinado período ou estilo musical, sendo a figura do intérprete relegada a um plano secundário. Com a obra de João Gilberto acontece exatamente o contrário. Quando João Gilberto toca, a música é “ele”. É um mito, sim, porque através da linguagem musical, ele parece traduzir o modo como o povo brasileiro entende e interpreta a existência.

As mudanças que João Gilberto introduziu na música a partir de 1958 e que fazem parte do patrimônio artístico da humanidade terão, em um futuro próximo, tratamento analítico à altura do seu valor artístico para atender à demanda crescente de interessados no Brasil e no exterior. Vai também constituir-se como a principal fonte de referência na produção de material didático para as escolas, garantindo à formação musical uma identidade de princípios baseada em nossa tradição cultural.

ADERBAL DUARTE é maestro, pesquisador e violonista

Instrumentista excepcional, João Gilberto elevou o violão à categoria de máxima importância na música popular brasileira, revendo a história e desafiando o futuro.

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