playlist Music

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

VISÃO AFIADA DA ARTE



Baiano pré-tropicalista, o compositor José de Assis Valente (1911-1958) foi o elo involuntário entre a bossa e a pós-tropicália quando João Gilberto ensinou Brasil Pandeiro aos Novos Baianos e injetou samba no coletivo de roqueiros hippies. Desinibido intérprete da persona feminina, numa era de machos alfa, ele forneceu combustível para a coreografia esfuziante de Carmen Miranda. E compôs Boas Festas ( Eu pensei que todo mundo/ fosse filho de Papai Noel), triste e belo hino do Natal nativo, contraditório com o samba Alegria, invenção da batucada para uma gente amargurada deixar de padecer, na voz dolente de Orlando Silva.

Já no subtítulo, a inversão de signos campeia na eloquente coletânea dupla Assis Valente não Fez Bobagem – 100 anos de alegria, produzida com esmero pelo pesquisador Rodrigo Faour . Gosto Mais do Outro Lado, avisa a marchinha gravada pelo Bando da Lua, incluída no segundo CD, de gravações pouco conhecidas, como as também melífluas Ele Disse Que Dá e O Meu não Dá, ambas por Dircinha Batista. No primeiro CD, de recriações, esbaldam-se em sucessos de Carmen Miranda, Isaura Garcia (E o Mundo Não se Acabou), Wanderléa (Uva de Caminhão), Ademilde Fonseca (Recenseamento) e Maria Bethânia (Camisa Listrada). De vida pessoal atormentada por dívidas e indefinições sexuais, encerrada na terceira tentativa de suicídio, Assis legou sua visão afiada da arte, como na rara parceria com Ataulfo Alves, gravada por Martinho da Vila : Batuca no chão com força/ batuca no chão sem dó / que o chão é o povo que vira pó.


Fonte : CartaCapital / Tárik de Souza

Nenhum comentário: