
É injusto reduzir Bôscoli ao bonitão sedutor e cafajeste do folhetim da TV ou ao carioca da gema que fez Nara Leão, Maysa e Elis Regina perderem a cabeça. Escrita pelo pesquisador Denilson Monteiro, a biografia A bossa do lobo (Editora Leya) vem pôr a lenda no devido lugar. Mulherengo, machista, bom copo e língua afiadíssima (atendia também por “Veneno”), o homem era um portento: compôs clássicos (O barquinho, Rio, Lobo mau, Canção que morre no ar, Se é tarde, me perdoa e Tributo a Martin Luther King), sobretudo ao lado de Roberto Menescal; pioneiro, ajudou a criar o modelo brasileiro de TV (trabalhou em várias emissoras, desde a década de 1950 – por causa dele, a atração dominical da Globo se chama Fantástico); e levou para a telinha o melhor da MPB (Dois na bossa, Brasil pandeiro e Saudade não tem idade). Ao lado de Miéle, reinventou o showbusiness verde-amarelo – a dupla projetou estrelas da MPB a partir dos acanhados palcos de bares cariocas, sobretudo Little Club e Beco das Garrafas. Foram eles que convenceram Roberto Carlos a adotar o “padrão Sinatra”, com big band e roteiro.
Quando o iê-iê-iê desbancou a bossa nova, Bôscoli saiu em defesa da música brasileira. Participou dos festivais dos anos 1960, mas ameaçou deixar de compor depois de ouvir Tropicália. O companheiro dos bossa-novistas Tom Jobim, João Gilberto, Roberto Menescal e Carlos Lyra quase jogou a toalha: “Meu tempo já passou”. Anos depois, quando os Titãs substituíram seu amigo Roberto Carlos no Canecão, alfinetou o rock oitentista. Os rapazes o “homenagearam” no “hip-hop psicodélico” Nome aos bois, ao lado de Stalin, Nixon, Garrastazu Médici e ... Lindomar Castilho! “Veneno” morreu de câncer os 66 anos. Deixou os filhos João Marcello (com Elis), Mariana e Bernardo (que trabalha no documentário Se é tarde, me perdoa, sobre a trajetória do pai). Lenda da MPB, Ronaldo merecia ganhar minissérie só para ele. Afinal de contas, trata-se, sem nenhum favor, de um personagem solo. “Retumbantemente safo”, como decretou o próprio Nelson Rodrigues.
Fonte: Ângela Faria, Estado de Minas, via Clube de Jazz
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