playlist Music

segunda-feira, 23 de abril de 2012

WILSON x NOEL: A POLÊMICA DA POLÊMICA


Muito se fala e se escreve sobre a polêmica de bambas que colocou, cada um de um lado do ringue musical, os compositores Noel Rosa (na foto) e Wilson Batista. Mas talvez haja poucos roteiros completos da contenda (o melhor é feito pelos craques Henrique Cazes e Cristina Buarque, em disco que gravaram juntos, chamado “Canções de Noel Rosa”) – tentativa que fazemos aqui agora.
 A peleja começa em 1933, quando Wilson Batista lança um samba fazendo o elogio da malandragem e colocando nas alturas o malandro. Tipo que, naqueles anos, no Rio de Janeiro (onde Noel e Wilson viviam) desfilava e imperava pelas ruas da Lapa. O samba chamava-se Lenço no pescoço, cuja letra está aqui transcrita na íntegra, para facilitar a compreensão de todo o bate-boca sonoro:

 Meu chapéu de lado, tamanco arrastando
 Lenço no pescoço, navalha no bolso
 Eu passo gingando, provoco e desafio
 Eu tenho orgulho de ser tão vadio
 Sei que eles falam do meu proceder
 Eu vejo quem trabalha viver no misere
 Eu sou vadio porque tive inclinação
 Eu me lembro, era criança,
 Tirava samba-canção
 Comigo, não
 Eu quero ver quem tem razão

  Noel Rosa, já então um compositor muito respeitado e para quem malandro era “uma palavra derrotista/que tira todo o valor de um sambista”, resolveu fazer um samba questionando a tal malandragem de Wilson. Saiu Rapaz Folgado, naturalmente com endereço certo:

 Deixa de arrastar o teu tamanco
 Pois tamanco nunca foi navalha
 Tira do pescoço o lenço branco
 Compra sapato e gravata
 Joga fora essa navalha, que te atrapalha
 (...)
 Já te dei papel e lápis
 Arranja um amor e um violão
 Malandro é palavra derrotista
 Que tira todo o valor de um sambista

  Vale o registro: à época, a expressão “rapaz folgado” tinha conotações que mexiam, diretamente, com a masculinidade. Tratando-se, ainda, de um indivíduo que se considerava “malandro”, podemos imaginar a reação de Wilson Batista. Que veio, logo, logo, por meio de uma certa Conversa fiada, ofendendo o poeta e sua Vila:

 Eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer
 E conhecer o berço dos folgados
 A luz nessa noite demorou muito
 Me assassinaram um samba
 Veio daí o meu pranto

 Talvez não seja um samba dos mais inspirados, mas serviu para provocar Noel Rosa, despertar seu sentimento de desforra e fazer brotar, dessa vez sim, uma obra-prima: Palpite infeliz:

 Quem é você que não sabe o que diz
 Meu Deus do céu, que palpite infeliz
 Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
 Oswaldo Cruz e Matriz
 Que sempre souberam muito bem:
 A Vila não quer abafar ninguém
 (...)
 A Vila é uma cidade independente
 Que tira samba mas não quer tirar patente
 Pra que ligar a quem não sabe
 Aonde tem o seu nariz?
 Quem é você que não sabe o que diz

 Acuado no canto do ringue, o grande Wilson Batista pegou pesado. Usou o que em gíria de boxe chama-se de golpe baixo. Atacou com o violento Frankestein da Vila, fazendo referências inclusive ao defeito físico que tanto incomodava Noel:
 “Boa impressão nunca se tem
 Quando se encontra um certo alguém
 Que mais parece um Frankestein”

 O adversário não mais reagiu. Ou por uma atitude superior ou por achar que a brincadeira estava beirando o baixo-nível. Não chamo a polêmica de brincadeira por acaso. Tanto que ela se encerra exatamente com um samba em parceria. Wilson escreveu a bela letra para o samba Terra de Cego. Noel Rosa aproveitou a melodia e escreveu outra letra, tão bela quanto. Confiram as duas versões:
 Terra de cego por Wilson Batista:
 “Perde a mania de bamba
 Todos sabem qual é
 O teu diploma no samba
 És o abafa da Vila, eu bem sei
 Mas em terra de cego
 Quem tem um olho é rei
 Para terminar a discussão
 Não deves apelar
 Para um barulho à mão
 Em versos podes bem desabafar
 Pois não fica bonito
 Para um bacharel brigar”

  Terra de cego por Noel Rosa:

 Deixa de ser convencido
 Todos sabem qual é
 Teu velho modo de vida
 És um perfeito artista, bem sei
 Também fui do trapézio
 Até salto mortal no arame já dei
 (muita medalha eu ganhei)
 E no picadeiro desta vida
Serei o domador
Serás a fera abatida
Conheço muito bem acrobacia
Por isso não faço fé
Em amor de parceria

Como Noel Rosa não fazia fé em amor de parceria e Wilson Batista também possivelmente não o fizesse, a parceria entre eles não passou dessa. A polêmica também não.
Fonte : Outras notas musicais – Revista  Música Brasileira

Nenhum comentário: