Muita gente me pergunta "qual o melhor _____________
(insira aqui qualquer categoria de instrumentista) do Brasil e do mundo?"
Sempre achei este tipo de "premiação" uma grande bobagem, já que é
impossível dimensionar se um fulano é melhor que outro em suas habilidades com
um instrumento. É lógico que há figuras lendárias que são quase unanimidades
nestas horas — Jimi Hendrix, John Coltrane, Neil Peart, Stanley Clarke e por aí
vai -, mas citar um ou outro é algo extremamente subjetivo.
Mas não pude deixar de
pensar que hoje perdemos o maior flautista que o Brasil já teve - e
provavelmente do mundo inteiro. Tanto isto é verdade que você certamente pensou
no nome de Altamiro Carrilho no exato momento que leu a frase anterior. Pois é,
esta figura simpaticíssima e genial em seu instrumento morreu hoje pela manhã
no Rio de Janeiro, aos 87 anos, vitimado por um câncer.Sinto muito pela dor que a família dele deve sentir neste momento, mas também lamento muito que a molecada dos dias de hoje não tenha a menor ideia de quem foi este sujeito, já que passa o tempo todo xingando no Twitter quem critica seus ídolos de plástico, que por sua vez também não têm a menor noção da importância do Altamiro para a música brasileira.
Para qualquer pessoa
que tenha um mínimo de conhecimento da história musical brasileira, ele foi o
verdadeiro artífice da consolidação do chorinho na memória das pessoas a partir
dos anos 60, quando o gênero ameaçou ser tragado pelo abismo do esquecimento
por causa do surgimento da bossa nova e da Jovem Guarda. Naquela época,
chorinho tinha virado "música de velho". Gravando inúmeros discos
sensacionais e tocando com centenas de artista de outros gêneros e estilos,
Altamiro não permitiu que tal ideia se propagasse. E isto vale até os dias de
hoje, já que pululam por aí toda uma nova geração de músicos que perpetuam o
trabalho de manter vivo o chorinho. Tudo por influência de Altamiro.
Desde o momento em
que foi descoberto Moreira da Silva no início da década de 40, Altamiro não
parou mais de gravar e acompanhar uma infinidade de artistas diferentes. Nos
anos 60, ele ganhou fama internacional ao excursionar por Estados Unidos,
México, Portugal, Espanha, Alemanha, França, Inglaterra e a então União
Soviética, deixando todo mundo simplesmente de queixo caído.A musicalidade de Altamiro era de tal porte que ele pegava obras de compositores eruditos — Tchaikovski, Brahms, Villa-Lobos e quem mais você imaginar — e rearranjava tudo de uma maneira tão pessoal que a gente ficava com a sensação de que Altamiro é quem tinha composto aquilo. Sua intimidade com o instrumento — iniciada aos cinco anos de idade — era algo sobrenatural, a ponto de, ainda criança, ter começado a construir suas próprias flautas de bambu e descobrindo timbres e afinações diferentes para cada uma delas.
Vê-lo tocando clássicos como "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro, e "Brasileirinho", de Waldir Azevedo, era algo tão desconcertante e emocionante que até mesmo músicos mais ligados ao rock ficavam de queixo caído.
Certa vez, ao entrevistar o vocalista/flautista/líder do Jethro Tull, Ian Anderson, que estava fazendo uma série de shows no Brasil, dei de presente a ele um CD com as mais conhecidas gravações de Altamiro Carrilho. Dias depois, recebi um e-mail da assessora da banda no Brasil, que retransmitia uma mensagem do próprio Anderson: "Diga para aquele repórter de São Paulo, que me deu um CD de presente, que ele é o responsável por ter roubado o meu sono e mostrado que, como flautista, sou um mero soprador do instrumento". A assessora acrescentou que durante o tempo em que esteve no Brasil, Anderson pediu a um integrante de sua equipe que comprasse todos os discos de Altamiro que visse pela frente em cada cidade que visitou.
Eu, se fosse você,
faria o mesmo a partir de hoje...
Assistam ao fantástico Altamiro Carrilho interpretando Urubu
MalandroFonte : Na Mira do Regis /Regis Tadeu
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