Baiana de berço e sotaque, a cantora Márcia Castro
desconstrói a cada disco. Na estreia, Pecadinho
de 2007, trilhava um lado B da cidadela do axé, ao optar por autores como Tom
Zé, Tuzé de Abreu, J. Veloso, Roque Ferreira , Luciano Salvador Bahia , ao lado
dos destoantes da mesmice Sérgio Sampaio, Zeca Baleiro, Itamar Assumpção e
Jorge Mautner. O álbum seguinte, De Pés
no Chão (2012), a começar pela faixa-título, pinçada entre as obscuras e
farpadas de Rita Lee (lacinhos cor-de-rosa / ficam bem num sapatão) , revirava
os baús de uma MPB intempestiva. De um sombrio Cartola (Catedral do Inferno , com Hermínio Bello de Carvalho) a um eriçado
Gonzaguinha (Pois é , seu Zé ), uma renegada veia pop dos Novos Baianos (29
Beijos) e o clássico alternativo Logradouro (Kleber Cavalcanti / Rafael
Altério).
Das Coisas que Surgem ,
produção de Gui Amabis, autor das cruciais Um Bom Filme, Esculacho e Partículas de Amor (com Lucas Santanna)
, incluídas no roteiro, tira do avesso da intérprete, de emissão límpida e
extrovertida , um recôndito intimista. Aflora a compositora de dicção
epitelial, em aliança com o poeta arrudA, habitual parceiro de Alzira Espíndola.
Como em O Amor Tem Dessas (estilhaça,
atormenta / tira a fome, alimenta), num embalo de bolero e a balada Beijos de Ar (sem paz, sem pólen / no coração desse ciclone). De outros autores,
tanto o sagaz Mau Caminho (Arnaldo
Antunes /Alice Ruiz ) quanto o alado Três
da Madrugada (Torquato Neto / Carlos Pinto), cinzelado pelo cello de
Jacques Morelenbaum, afinam-se com a imersão urbana da cantora m radicada em
São Paulo desde 2008. Encerra o disco, de rara coesão conceitual, o
autorretrato autoral da artista em processo: O que me move / é o que me falta.
Fonte : Tárik de Souza (CartaCapital)
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