A serenidade do vocalista e compositor brasileiro, Milton
Nascimento, é uma das mais confiáveis virtudes em toda a música. Estas duas
trilhas sonoras para balé —originalmente gravadas no início da sua carreira, lançados
em CD décadas atrás, e agora disponível em vinil pela primeira vez— utiliza a
assinatura do som de Nascimento como um despite para criar a mais envolvente música,
politicamente carregada, que ele já fez.
Maria Maria é uma saga sobre o legado da escravidão no Brasil,
apresentada primeiro em 1976, poucos anos depois do sucesso do disco de Nascimento,
“Clube da Esquina”. A canção título é estruturada como uma clássica canção folk, com Nascimento liderando ricas
harmonias vocais sobre a guitarra de Toninho Horta, um dos muitos jovens
músicos, nas duas trilhas sonoras, que seriam estrelas nacionais (outros são o
percussionista Naná Vasconcelos e o saxofonista Paulo Moura). Porém, a
persistentemente suave cortina é brevemente dominada pela representação pungente
da história do Brasil, com vozes angustiadas sobre o som de chicotes sobre a
pele, simulado com uma dureza sem amplificação, que providencia “Trabalhos” e
“Lilia” com duro poder emocional. Isto lidera “A Chamada”, que prospera na
tensão entre vocais beatíficos e o choro exaltado e tumultuoso de pássaros e
percussão africana (com um punhado de canções dos balés, “A Chamada” passou a
ser parte do repertório de Nascimento).
Apresentado cinco anos depois, em 1981, “Último Trem (Last
Train) ” lida com o encerramento de uma linha férrea, que conectava comunidades
de mineradoras dentro de Minas Gerais, Estado onde Nascimento cresceu, mas viveu
em centro urbanos do Rio e São Paulo. Os temas desta trilha sonora são menos
ambiciosos, mas musicalmente mais ricos e mais acessíveis aos fãs dos seus trabalhos
posteriores. A benvinda adição dos pianistas Wagner Tiso e João Donato é
imediatamente aparente em “Minas”, e a vocalista Naná Caymmi está maravilhosa em
“Ponta de Areia”, o nome da última parada da linha de trem. Há um punhado de
efeitos de apitos de trem e algumas palavras narrativas, mas, majoritariamente,
“Último Trem” é um cortejo de vocais deslumbrantes e melodias folk. Lamentos
lacrimosos de solidão e dias passados (um suplemento de cordas em “Olho d’Água”,
um canto em prece de “Oração”) são deliciosamente contrapostos por canções mais
felizes como o robusto coral “Bicho Homem”; a divertida, com inflexão do órgão,
“Roupa Nova” (“New Clothes”) e a inundação de raios de júbilo com assobios,
guitarras e marimbas caindo em “Bola de Meia, Bola de Gude” (“Stickball and
Marbles”).
Apesar de tudo, mesmo entre os espancamentos nos escravos e
o apito dos trens, estende-se a serenidade, que é a marca de Nascimento, na
mistura, como lençol de água ou baixo cantarolado em um assento do coro. É
constante sua persistência suave na trilha sonora do espírito humano.
Fonte: BRITT ROBSON (JazzTimes)
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