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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

LIBERTY ELLMAN – LAST DESERT (Pi Recordings)

“Last Desert” é o quinto disco em nome próprio do guitarrista e compositor Liberty Ellman (n. 1971), quarto na cada vez mais inescapável Pi Recordings, sucedendo ao excelente “Radiate”, de 2015. Antes, já nos havia oferecido “Orthodoxy” (Noir, 1997), “Tactiles” (Pi, 2002) e “Ophiuchus Butterfly” (Pi, 2006). Nos anos 1990, Ellman esteve ligado, em São Francisco, ao braço californiano do movimento M-Base de Steve Coleman

O guitarrista tem vindo a inscrever a sua marca em projetos próprios e, porventura sobretudo, alheios, entre os quais há a destacar a sua longeva associação aos Zooid do visionário Henry Threadgill. Tem integrado, entre outras formações, a Village Rhythms Band e o Universal Jazz Ensemble de Joe Lovano, a Go: Organic Guitar Orchestra de Adam Rudolph e os Snowy Egret de Myra Melford. Avultam também as colaborações com Vijay Iyer, Nicole Mitchell, Rudresh Mahanthappa, Greg Osby, Ches Smith e Jason Robinson, só para mencionar algumas.

A abordagem pouco convencional de Ellman, burilada desde há mais de um quarto de século, exibe criatividade e intrepidez no desenvolvimento de melodias e na criação de texturas. Enquanto compositor, continua a revelar uma pena que tem tanto de sóbria e rigorosa como de espaçosa e dialogante com o silêncio. Outro aspeto distintivo é a forma como astutamente se esquiva a protagonismos excessivos (habituais em praticantes do seu instrumento), preferindo assumir-se como organizador do xadrez tímbrico que tem à sua disposição.

Neste novo registo, Ellman adota a máxima de que em equipe que ganha não se mexe. O sexteto estelar que lidera assume a mesma configuração instrumental e os mesmos intervenientes: à guitarra juntam-se o imperial saxofone alto de Steve Lehman, o trompete luminoso de Jonathan Finlayson, a tuba de Jose Davila e uma das mais excelsas duplas rítmicas do nosso tempo, a que formam o contrabaixista Stephan Crump e o baterista Damion Reid. É desta intrincada teia de relações que emana o lado “comunitário” da música que se escuta.

“Last Desert” foi inspirado pela ultramaratona anual conhecida como 4 Desertos, que percorre alguns trilhos extremamente duros nos desertos de Atacama no Chile, de Gobi na China, do Saara no Egito e no “deserto branco” da Antártida. Mais do que heroísmo, o guitarrista busca encontrar esperança na tenacidade dos participantes.

A peça de abertura, “The Sip”, tem um início sereno, reflexivo, com o dedilhado límpido da guitarra do líder a articular-se tranquilamente com os três sopros, que ora parecem distantes, ora intimamente próximos, com solos concisos e de grande beleza (Lehman e Finlayson revelam-nos o seu lado mais contemplativo, enquanto Davila sopra notas telúricas).

Segue-se a suíte que dá título ao disco – diria que o seu centro de gravidade –, dividida em duas partes, ambas com um estrutura aberta e intervenções sintéticas que coalescem aqui e ali. No plano individual sobressai Finlayson que conduz melodicamente, com Ellman a ruminar de forma discreta. A entrada em cena de Crump e Reid (notáveis na atenção aos detalhes) cria a base para o guitarrista migrar para o centro criativo da peça.

Na segunda parte é o saxofone assertivo de Lehman que começa por tomar conta das operações, desafiado pela guitarra, com a dupla rítmica a assegurar papéis muito mais relevantes do que os de mero suporte. Depois é a tuba (solo notável) e de novo o trompete de Finlayson a marcar pontos. Mais garrido é o arranjo de “Rubber Flowers”, com os instrumentos a funcionarem como plataforma que serve de rampa de lançamento para solos vários, com particular realce para os do saxofonista e do líder, que mais uma vez demonstram uma capacidade empática decisiva. Os uníssonos que conduzem ao final são deliciosos.

“Portals” traz-nos uma atmosfera camerística que, estando presente em muitos outros momentos, alcança aqui a excelência. Ellman ergue a coluna vertebral com solidez e eficácia. O contrabaixista tem uma vitrine como não tivera até aqui e o baterista volta a ser exemplar na delicadeza com que tricota uma impecável base rítmica. “Doppler” exibe a formação em dinâmicas judiciosas e um balanço “groovy”, com pequenos apontamentos solísticos que desembocam num delicioso “tutti”. A fechar a jornada, “Liquid” traz uma tranquilidade organizada que jamais segue linha óbvia, até que um belo solo de Ellman conduz à melodia final.

“Last Desert” é um disco com momentos muito interessantes e capazes de recompensar incrementalmente a cada audição.

Faixas

1.The Sip 05:16

2.Last Desert I 07:30

3.Last Desert II 07:39

4.Rubber Flowers 05:56

5.Portals 08:34

6.Doppler 04:50

7.Liquid 05:17

 Fonte: jazz.pt

 

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