Se as colaborações são lugar-comum no jazz, há quem a elas
recorra apenas para fins utilitários, e outros que, pelo contrário, as
consideram como a essência e a força-motriz do desenvolvimento musical. No
leque de músicos que se situam no último polo encontramos o compositor e
percussionista suíço Florian Arbenz, ele que é um notável caso de alguém que
faz deste modo de interação musical a via primária de criação e aprimoramento
técnico e criativo. A título de exemplo, ouvimo-lo recentemente ao lado do saxofonista
norte-americano Greg Osby em “Reflections of the Eternal Lines” (2020),
trabalho que, passe a prosopopeia, soube fecundar terreno fértil, arado ao
longo de mais de 60 anos de experiência conjunta, fazendo dele brotar música de
qualidade superior à que, à partida, poderíamos supor, principalmente
considerando as “limitações” inerentes à formação em duo percussão-saxofone que
esteve na sua base, apesar das mais do que firmadas competências de ambos os
músicos.
Ora, o trabalho a que Arbenz se propôs realizar de 2021 em
diante segue, pois, novamente este eixo de orientação colaborativo. Assim
sendo, em Abril passado o percussionista lançou o primeiro momento de uma
ambiciosa série que se desdobrará em 12 conversas, as quais serão conduzidas
com recurso a 12 distintas formações de músicos. A conversa primeira, esta que
se pode ouvir em “Conversation #1: Condensed”, foi coprotagonizada com o
trompetista norte-americano Hermon Mehari e o guitarrista brasileiro Nelson
Veras, dupla constituída por elementos de forte personalidade musical, que se
entrosou de forma suave com as ideias de Arbenz e contribuiu para a discussão
com pensamentos e composições próprias.
Em termos de musicalidade individual, o caráter que cada
instrumentista impõe nos temas é bastante diferenciável. Arbenz é um músico de
grande versatilidade, não se reduzindo apenas à bateria, antes alternando entre
diferentes instrumentos percussivos e registos rítmicos, com abordagens que vão
do free jazz a tiradas inspiradas em
ritmos de várias regiões do globo. Mehari é trompetista de sopro límpido e eufônico
– uma delícia de se escutar! -, fazendo lembrar Kenny Wheeler nos momentos
plácidos e Lee Morgan nos buliçosos. Veras é guitarrista delicado – cordas em
sua mão são como fios de seda -, com um tocar em que tanto se ouve Kenny
Burrell como João Gilberto. Deste modo, um triângulo musical que une a Europa,
os Estados Unidos e a América do Sul não poderia não ser eclético em
influências, sendo essa mácula transposta de modo consciente para os temas do
álbum.
Por isso, não estranhamos quando escutamos uma versão de “Olha Maria” de Carlos Jobim ao lado do pós-bop “groovy” de “Boarding the Beat”. Do mesmo modo, a sensibilidade poética capturada em “Let’s Try This Again” não destoa da métrica matemática de “Groove A”, sendo aquela facilmente conciliada com o suspense de “Vibing with Mr. Feldman” e o cool jazz de “Dedicated to the Quintessence”. E, ainda, os modos de “In Medias Res” e “Circle”, mais próximos da música improvisada, fluem suavemente em direção às versões de “Race Face” (Ornette Coleman) e “Freedom Jazz Dance” (Eddie Harris), interpretações livres que coroam esta belíssima conversa, a qual eleva as expectativas para as que se lhe seguirão.
Faixas : Boarding
The Beat; Let's Try Again; Groove A; Olha Maria; In Medias Res; Vibing With Mr.
Feldman; Race Face: Dedicated To The Quintessence; Circle; Freedom Jazz Dance.
Músicos: Florian Arbenz: bateria; Nelson Veras: guitarra;
Hermon Mehari: trompete.
Fonte: João Morado (jazz.pt)
Nenhum comentário:
Postar um comentário