A pandemia parece estar a chegar ao fim, mas ainda está
presente das mais diferentes formas. O novo disco de Michael Formanek, agora
lançado pela Intakt, é um dessas manifestações inesperadas dos efeitos do vírus.
Em 2017 o contrabaixista decidiu mudar a sua vida e
abandonar o emprego de professor a tempo inteiro numa universidade americana e
restabelecer-se exclusivamente como músico em Nova Iorque. Enjeitar o ordenado
inerente de uma instituição e mergulhar na dúvida do pagamento intermitente por
concertos. Aos 59 anos é um ato de coragem... ou a sensação limite de sentir
que há um músico preso num corpo de professor, que fazia com que as
segundas-feiras fossem mais difíceis que a intermitência financeira.
Felizmente o regresso à profissão de músico correu melhor do
que Formanek antecipava e permitiu-lhe compor, gravar e tocar ao vivo
intensamente. Nas palavras do próprio, a partir de 2017 fez o melhor da sua
carreira.
E subitamente o mundo parou e com ele os concertos e as
gravações. Dedicou-se ao que restou, a composição, aos seus outros interesses e
hobbies para além da música e a praticar.
É desse tempo que todos queremos esquecer que nasce a ideia
de “Imperfect Measures”, um disco de um músico sozinho com o seu contrabaixo.
Apesar de ser um instrumento normalmente atirado para o fundo, para a “secção
rítmica”, o contrabaixo tem um som maravilhoso, cheio, poderoso e quando é
tocado a este nível revela-se polifônico, flexível, textural e melódico.
O projeto para este disco foi o de gravar improvisações solos
enquanto o artista plástico Warren Linn pintava. A pandemia também teve destes
benefícios, deu-nos tempo para projetos adiados e para a fácil compatibilização
de agendas. Valorizamos o fato de poder estar com alguém, mesmo que em duas
atividades separadas. Esta colaboração entre o sonoro e o visual está presente
no disco através de uma série de 7 imagens que ocupam as laudas do digipack e a
bolacha do CD. O projeto artístico foi simples: “you do your thing, I do mine” explica Formanek. Warren, por sua vez esclarece: “drawing in my sketchbook in the recording
studio when Formanek lays some of these exquisite, inventive tracks, then
developing what came out into collage/paintings”. O resultado é,
desde logo, uma excelente capa, o que não é frequente na Intakt.
O músico descreve este processo de improvisação como “estar
a construir uma estrada e ao mesmo tempo a viajar nela”. As improvisações
gravadas foram depois editadas num processo de retroversão em que o
instrumentista passa a ouvinte à procura dos momentos que considera excepcionais.
O resultado final são nove peças curtas que se conseguem ouvir como um contínuo
apesar de cada uma ter uma personalidade distinta.
A música tem um enorme sentido de composição. São ideias e o
seu desenvolvimento. Cada tema mostra uma coisa nova e tem uma lógica própria,
um princípio, meio e fim (mesmo sabendo que algumas destas músicas são editadas
de composições maiores).
O som do contrabaixo está maravilhosamente bem captado e
todas as possibilidades expressivas do instrumento são exploradas. A
improvisação é transparente: percebemos cada uma das ideias e o seu
desenvolvimento o que faz com que consigamos perceber quando o contrabaixista
se deixa surpreender com um acontecimento imprevisto e o aproveita e desenvolve.
Não é demasiado exigente para uma audição descontraída e o é para uma escuta
atenta.
Os solos de contrabaixo não são um assunto recorrente no
jazz. Assim sendo, para além de “Imperfect Measures” ser um com música
especial, é também um disco incomum pela instrumentação. E tem só aquele som a
madeira extraordinária do contrabaixo. Um só que é muito.
Nota: Este álbum foi considerado, pela DownBeat, como um dos
melhores lançados em 2021 com a classificação de 4 estrelas.
Fonte: Gonçalo Falcão (jazz.pt)
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