A partir do momento em que se dedicou à bateria, João
Lencastre tem deixado a sua marca indelével em projetos que cobrem um vasto
espetro de gêneros musicais, do heavy metal ao reggae, passando pelo rock
alternativo e pelo afrobeat, focando-se, a partir de certo instante, de forma
quase exclusiva no jazz, demonstrando a versatilidade da sua práxis
baterística. Há década e meia que os Communion são a sua mais
emblemática formação. Apesar de habitualmente se constituir como um trio, o
grupo tem conhecido diferentes protagonistas e formatos instrumentais.
Começaram a germinar em 2005 – quando Lencastre organizou
uma digressão em Portugal para a qual convidou músicos como Phil Grenadier, Leo
Genovese, Demian Cabaud e André Matos – e lançaram o primeiro álbum, “One!”, em
2007, pela catalã Fresh Sound New Talent de Jordi Pujol. Seguiram-se outros
volumes inescapáveis como “B-Sides” (Fresh Sound, 2008), “Sound it Out” (TOAP,
2010), “What Is This All About?” (Auand, 2014), “Movements in Freedom” (Clean
Feed, 2017) e “Song(s) of Hope” (Clean Feed, 2019), os dois últimos gravados
com o pianista Jacob Sacks e o contrabaixista Eivind Opsvik.
O novo “Unlimited Dreams”, de novo com chancela da Clean
Feed, segue-se cronologicamente a notáveis registos de projetos paralelos: “No
Gravity”, editado em 2020, no qual o escutamos ao lado do pianista Rodrigo
Pinheiro e do mesmo Hasselberg num jazz de matriz eletroacústica em que são
exploradas diferentes ambiências sonoras; e “Parallel Realities”, com Cirera,
Branco, Pinheiro e Hasselberg, com disco homônimo, de 2019, na britânica FMR.
Agora expandidos para octeto, os Communion exploram
as possibilidades sônicas de um “ensemble” que, para além da dimensão alargada,
assume também uma configuração instrumental inusitada, com dois saxofones
(Albert Cirera e Ricardo Toscano), duas guitarras elétricas (André Fernandes e
Pedro Branco), piano (Benny Lackner), contrabaixo (Nelson Cascais), baixo
elétrico (João Hasselberg) e bateria, mais eletrônica (Lackner, Hasselberg). Um
verdadeiro “all-stars”, escol de músicos de personalidades vincadas, líderes
dos seus próprios grupos e com obra reconhecida.
A abordagem do músico lisboeta continua a evidenciar à
saciedade como é um hábil processador de referências e gestor de contrastes,
intensidades e dinâmicas, não permitindo que a sua música se acantone em
caixinhas estéticas. Durante o processo de composição, Lencastre foi imaginando
qual a instrumentação que fazia mais sentido para transmitir a sonoridade que
tinha em mente, e isso acabou por levar à escolha desta formação menos
convencional. «Senti que para dar vida a estas composições tinham de ser estes
os músicos. Todos eles têm uma personalidade musical muito forte e uma grande
facilidade em se adaptarem a cada momento. Conseguem facilmente perceber o
espaço e a direção de cada composição, e têm também uma grande abertura para
deixar a música fluir e surpreender em cada “take”», sublinhou o músico em
entrevista recente à jazz.pt.
O fato de ser um octeto deu azo a criar uma grande massa
sonora, fator essencial para dar vida a estas composições da forma como
inicialmente as imaginou. Como disse na mesma entrevista, «este disco [é]
talvez o que mostra mais o meu “eu” musical, e é, sem dúvida, aquele em que
maior destaque dei à composição. No fundo é apenas mais um capítulo desta longa
caminhada, e que retrata a forma como ouvi e senti a música num determinado
período.»
Notas ainda para a sucintamente nervosa “Mitote”, feita de
angulosidades de que brota um “tutti” fulgurante, e para a serenidade de “No
Filter”, marcada pelo piano sofisticado de Lackner e a filigrana de Lencastre.
O tema-título adquire contornos de festa, com a eletricidade das guitarras e as
danças entre os saxofones de Cirera e Toscano a alimentar um “groove” poderoso.
“Unlimited Dreams” é um álbum que com sucessivas e atentas audições se deixa
descortinar nos seus mais íntimos e fascinantes detalhes.
Faixas
1.Clouds 04:14
2.Insomnia 05:56
3.The Mystery Path 08:01
4.Mitote 03:08
5.No Filter 07:47
6.Unlimited Dreams 09:54
Músicos :Albert Cirera (saxofones tenor e soprano); Ricardo Toscano (saxofone alto); Benny Lackner (piano, eletrônica); André Fernandes (guitarra elétrica); Pedro Branco (guitarra elétrica); Nelson Cascais (contrabaixo); João Hasselberg (baixo elétrico, eletrônica); João Lencastre (bateria, composição)
Fonte: António Branco (jazz.pt)
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