A guitarrista de pedal steel Susan Alcorn, o clarinetista
Patrick Holmes e o baterista Ryan Sawyer juntaram-se no bar Union Pool, em
Williamsburg, Brooklyn, para uma noite inesquecível de improvisação sem rede. O
álbum que resultou dessa atuação tem selo da Relative Pitch e a jazz.pt já o
escutou.
Dizia o fotógrafo francês Robert Doisneau (1912-1994) que «a
fotografia é uma arte funerária»; algo semelhante poderemos dizer da
improvisação: logo que os músicos a deem por concluída (algo muito mais
complexo do que aparenta, como um dia ouvi dizer), passa a fazer parte do
passado, a documentar, se registada, um instante único e irrepetível. Susan
Alcorn, Patrick Holmes e Ryan Sawyer são três notáveis improvisadores, que
tocam juntos há mais de década e meia, consolidando processos de improvisação
que partem das diferentes individualidades para se agregarem (sem se diluírem)
num coletivo que representa mais do que a soma das partes.
“From Union Pool” foi registado ao vivo em 20 de março de
2022 naquele bar numa esquina em Williamsburg, Brooklyn, no mesmo local onde
outrora houve uma loja de controlo de pragas e de acessórios para piscinas.
Aberto em 2000, o bar passou por mudanças dramáticas e desencorajantes nas duas
décadas seguintes, à medida que o bairro em redor se gentrificou, por culpa de
promotores e especuladores imobiliários que elevaram as rendas dos espaços
utilizados pelos músicos a preços incomportáveis. Hoje tem uma programação
regular e variada («We do not take reservations we do not have pool tables or a
pool», fazem questão de esclarecer.)
Susan Alcorn é um dos maiores expoentes mundiais do seu
instrumento, levando a guitarra pedal steel para universos a anos-luz do seu
papel tradicional limitado no country e western (por onde começou, diga-se). A
parir do Texas, Alcorn expandiu o vocabulário do instrumento, estudando música
erudita do século XX, jazz de vanguarda e músicas de vários locais do planeta.
«Entendo o instrumento que toco não como um objeto a ser dominado, mas como um
parceiro com o qual partilho com o ouvinte um significado e, espero, uma
profunda consciência de cada momento frágil em que estamos juntos. É desta
dinâmica que tento estar ciente tanto na minha escrita quanto nas minhas
performances», explica a própria.
O clarinetista Patrick Holmes, também ele texano, de Austin,
há muito integra a fervilhante cena downtown nova-iorquina, antigo aluno de
Connie Crothers e Sabir Mateen. Não havendo duas sem três, o baterista Ryan
Sawyer é oriundo de San Antonio e para a sua abordagem confluem não apenas o
rock e o jazz, mas também o zydeco e o punk rock da sua cidade natal. Ao chegar
à Big Apple, em 1997, centrou-se no jazz mais aventuroso e na música
improvisada multímoda. Nomear de uma assentada Marshall Allen, Thurston Moore,
TV On The Radio, Charles Gayle, Nate Wooley ou Gang Gang Dance significa muito.
“From Union Pool”, editado pela Relative Pitch, mostra o
trio no seu melhor, em três improvisações livres de alta voltagem, perfazendo
um total de pouco mais de 40 minutos. Não há aqui hierarquias ou subordinações
castrantes; a espaços, a guitarra pedal steel parece adquirir certa
proeminência, impulsionada tanto pelos ritmos instáveis, mas sólidos, de
Sawyer, como pelas linhas desenhadas pelo clarinete de Holmes. Em “Benn”
escutamos uma interação contemplativa entre as texturas lançadas por Alcorn, o
clarinete rico e clarividente, a bateria sempre a puxar o trio para a frente,
mesmo quando meticulosa. Por aqui assomam fragmentos melódicos (Holmes carrega
amiúde a chama da música erudita, de ontem e de hoje), contrastado por paisagens
mais sombrias.
“From Union Pool” é um álbum imprevisível e, por isso mesmo,
estimulante. Quem busca a surpresa na música, certamente encontrará aqui motivos
de deleite.
Fonte: António Branco (jazz.pt)
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