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quarta-feira, 29 de novembro de 2023

SUSAN ALCORN / PATRICK HOLMES / RYAN SAWYER - FROM UNION POOL (Relative Pitch)

A guitarrista de pedal steel Susan Alcorn, o clarinetista Patrick Holmes e o baterista Ryan Sawyer juntaram-se no bar Union Pool, em Williamsburg, Brooklyn, para uma noite inesquecível de improvisação sem rede. O álbum que resultou dessa atuação tem selo da Relative Pitch e a jazz.pt já o escutou.

Dizia o fotógrafo francês Robert Doisneau (1912-1994) que «a fotografia é uma arte funerária»; algo semelhante poderemos dizer da improvisação: logo que os músicos a deem por concluída (algo muito mais complexo do que aparenta, como um dia ouvi dizer), passa a fazer parte do passado, a documentar, se registada, um instante único e irrepetível. Susan Alcorn, Patrick Holmes e Ryan Sawyer são três notáveis improvisadores, que tocam juntos há mais de década e meia, consolidando processos de improvisação que partem das diferentes individualidades para se agregarem (sem se diluírem) num coletivo que representa mais do que a soma das partes.

“From Union Pool” foi registado ao vivo em 20 de março de 2022 naquele bar numa esquina em Williamsburg, Brooklyn, no mesmo local onde outrora houve uma loja de controlo de pragas e de acessórios para piscinas. Aberto em 2000, o bar passou por mudanças dramáticas e desencorajantes nas duas décadas seguintes, à medida que o bairro em redor se gentrificou, por culpa de promotores e especuladores imobiliários que elevaram as rendas dos espaços utilizados pelos músicos a preços incomportáveis. Hoje tem uma programação regular e variada («We do not take reservations we do not have pool tables or a pool», fazem questão de esclarecer.)

Susan Alcorn é um dos maiores expoentes mundiais do seu instrumento, levando a guitarra pedal steel para universos a anos-luz do seu papel tradicional limitado no country e western (por onde começou, diga-se). A parir do Texas, Alcorn expandiu o vocabulário do instrumento, estudando música erudita do século XX, jazz de vanguarda e músicas de vários locais do planeta. «Entendo o instrumento que toco não como um objeto a ser dominado, mas como um parceiro com o qual partilho com o ouvinte um significado e, espero, uma profunda consciência de cada momento frágil em que estamos juntos. É desta dinâmica que tento estar ciente tanto na minha escrita quanto nas minhas performances», explica a própria.

O clarinetista Patrick Holmes, também ele texano, de Austin, há muito integra a fervilhante cena downtown nova-iorquina, antigo aluno de Connie Crothers e Sabir Mateen. Não havendo duas sem três, o baterista Ryan Sawyer é oriundo de San Antonio e para a sua abordagem confluem não apenas o rock e o jazz, mas também o zydeco e o punk rock da sua cidade natal. Ao chegar à Big Apple, em 1997, centrou-se no jazz mais aventuroso e na música improvisada multímoda. Nomear de uma assentada Marshall Allen, Thurston Moore, TV On The Radio, Charles Gayle, Nate Wooley ou Gang Gang Dance significa muito.

“From Union Pool”, editado pela Relative Pitch, mostra o trio no seu melhor, em três improvisações livres de alta voltagem, perfazendo um total de pouco mais de 40 minutos. Não há aqui hierarquias ou subordinações castrantes; a espaços, a guitarra pedal steel parece adquirir certa proeminência, impulsionada tanto pelos ritmos instáveis, mas sólidos, de Sawyer, como pelas linhas desenhadas pelo clarinete de Holmes. Em “Benn” escutamos uma interação contemplativa entre as texturas lançadas por Alcorn, o clarinete rico e clarividente, a bateria sempre a puxar o trio para a frente, mesmo quando meticulosa. Por aqui assomam fragmentos melódicos (Holmes carrega amiúde a chama da música erudita, de ontem e de hoje), contrastado por paisagens mais sombrias.

 “Ñaar” começa em tons abstratos, mas rapidamente adquire contornos de maior dinamismo, com Sawyer sempre a propor acentuações rítmicas instáveis e Alcorn a intervir com passagens encantatórias; o clarinete aproxima-se e afasta-se numa ménage à trois em permanente evolução. Se num momento estamos no olho de um turbilhão sônico, no seguinte pairamos no éter. No final, tudo converge para um silêncio apaziguador. “Ñett” é lançada pelo clarinete, logo interpelado pelos demais instrumentos, com a guitarra pedal steel a soar, a dado momento, quase como um piano esquizóide. O êxtase do público é tal que parece que a prestação vai acabar; nada disso: é precisamente aí que se instala um groove que rapidamente se transforma numa atmosfera misteriosa que se densifica. Alcorn propõe então uma bela melodia, secundada pelo clarinete, com Sawyer sempre a aditar pormenores.

“From Union Pool” é um álbum imprevisível e, por isso mesmo, estimulante. Quem busca a surpresa na música, certamente encontrará aqui motivos de deleite.

Fonte: António Branco (jazz.pt)

 

 

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