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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

CHROME HILL DUO MEETS DŌJŌ - LIVE AT AKETA NO MISE (Clean Feed)

O que acontece quando se junta metade de um quarteto norueguês fortemente tingido de Americana, blues, cowboy rock e moldura jazz, e um duo de improvisadores japoneses, os Dōjō (koto elétrico e bateria)? Certamente nada de antecipável e tudo de estimulante. Depois de mais de duas décadas, seis álbuns e muitas atuações ao vivo, os Chrome Hill são parte de leão nas vidas criativas do guitarrista Asbjørn Lerheim e do contrabaixista Roger Arntzen (e também do saxofonista Atle Nymo e do baterista e vibrafonista Torstein Lofthus, aqui ausentes). Na Clean Feed, já editaram “The Explorer” (2018) e “This is Chrome Hill” (2021).

Mas puxemos atrás a fita do tempo. Em 2014, Lerheim e Arntzen tiverem ensejo de se deslocar a Tóquio para frequentar o Hokuo Music Fest, um evento para bandas nórdicas que procuravam entrar no sempre difícil mercado nipónico; aproveitaram para lançar as sementes de uma futura digressão, que viria a concretizar-se logo no ano seguinte. Nessa altura, partilharam um concerto no clube SuperDeluxe, na culturalmente movimentada zona de Roppongi, na capital, com a tocadora de koto elétrico (nas suas versões de 17 e 21 cordas), Michiyo Yagi, que então se apresentava em duo com o baterista (e cantor), lenda do krautrock, Mani Neumeier, mais conhecido pelo seu trabalho nos Guru Guru.

Impressionados com a prestação de Yagi, Lerheim e Arntzen logo pensaram na possibilidade de incorporar a sua sonoridade muito especial na música dos Chrome Hill, o que viria a acontecer em 2019, quando o grupo a convidou e ao baterista Noritaka Tanaka (que conhecemos, por exemplo, do quarteto do saxofonista Keefe Jackson, no excelente “Seeing You See”, de 2010) para se lhes juntarem em palco, no Koen-Dori Classics em Shibuya, Tóquio. Está bom de ouvir: dois bateristas a gerarem torrentes energéticas, três cordofonistas e um saxofonista foi uma experiência de tal modo marcante que o grupo escandinavo não quis deixar de continuar a explorar.

Em 2020, perante a impossibilidade de regressarem ao Japão com a formação completa, os Chrome Hill optaram por se apresentarem em formato redux, o Chrome Hill Duo, que funciona como uma espécie de versão de câmara do quarteto. Uma vez que Tanaka se havia mudado para Kyushu, Yagi sugeriu o baterista Tamaya Honda, seu cúmplice de longa data no duo Dōjō e noutros projetos. O quarteto assim engendrado – Lerheim, Arntzen, Yagi, Honda – apresentou-se duas vezes em Tóquio, em janeiro de 2020, mesmo antes de a pandemia nos virar o mundo do avesso; primeiro no Koen-Dori Classics, e depois no conhecido clube de jazz Aketa No Mise (onde, recorde-se, Michiyo Yagi já havia gravado um disco com outro duo de noruegueses, o contrabaixista Ingebrigt Håker Flaten e o baterista Paal Nilssen-Love, “Decayed - Live! at Aketa No Mise”, em dezembro de 2015). Atrasos motivados pela situação que então se vivia fizeram com que só em 2023 o disco visse a luz do dia, pela mão da Clean Feed.

Ambas as atuações consistiram em sets individuais pelo Chrome Hill Duo e Dōjō, que aquecerem os motores para o que se seguiria: quando os dois duos se juntaram e formaram um superquarteto (sem fusões ou subordinações), os níveis energéticos subiram exponencialmente e aconteceu a junção de universos sónicos aparentemente imiscíveis: cowboy meets japanese psychedelia, atmosfera muito bem captada na capa assinada por Gonçalo Falcão. O belíssimo som da guitarra de Lerheim – com reminiscências tanto de Ry Cooder como de Hank Marvin – encontra comparsa ideal no koto elétrico de Yagi, tanto em sublinhados como em admiráveis contrastes, sobretudo nas partes livremente improvisadas. Também na componente rítmica tudo funcionou, com Arntzen e Honda a revelar um entrosamento que tanto fornece o combustível que empurra o resto grupo para a frente, como injeta quietude e magia.

Os oito minutos da peça de abertura, “Dust Devil”, remetem para um ambiente inóspito, desértico, turbilhões de pó e tufos de erva morta, uma lonjura seca; as guitarras planam, a percussão pontua, texturas em permanente mutação: a rarefação inicial dá lugar a um ambiente sufocante. Ainda com a função respiratória afetada, escutamos a lenta e arrastada “Country of Lost Brothers”, da qual emerge uma melodia encantatória de um espaço e espaço indefinidos. A atmosfera delicadamente inquietante de “Long Shadows” tem uma guitarra esparsa de onde brotam notas lindíssimas e um contrabaixo a aditar uma camada de dramatismo.

Mais intensa é “Ascend”, onde à guitarra em brasa se juntam laivos da tradição oriental, contrabaixo e percussão agitados, massa sonora fluindo diante dos nossos ouvidos. Com o seu psicadelismo incandescente, “What Lies Beneath” é o momento da libertação das tensões que pressentíamos latentes, guitarra solta, contrabaixo obsessivo, bateria flamejante. Num contraste que serve de bálsamo, “10-4” é etérea, com a guitarra do mundo ocidental a aliar-se ao koto japonês para construir um som misterioso e particularmente imagético. A onírica “Clockwork” lembra algumas explorações floydianas da viragem de sessentas para setentas, com a superior guitarra de Asbjørn Lerheim no centro de tudo o que acontece. “Partly Particle” encerra o álbum num regime turbulento de exploração livre, com os quatro músicos a contribuírem de forma equitativa para o cômputo.

“Live at Aketa No Mise” é um álbum que espelha como poucos essa indefinível surpresa causada pela espontaneidade e urgência da música criada em tempo real. Ouçamo-la sem moderação.

Faixas

1.Dust Devil 09:02

2.Country of Lost Borders 09:32

3.Long Shadows 06:24

4.Ascend 07:15

5.What Lies Beneath 08:40

6.10-4 08:36

7.Clockwork 06:53

8.Partly Particle 04:34

Músicos :Chrome Hill Duo: Asbjørn Lerheim— guitarra barítono elétrica, eletrônica; Roger Arntzen— contrabaixo, eletrônica; Dōjō: Michiyo Yagi— koto elétrico de 21 cordas, eletrônica;Tamaya Honda— bateria.

Fonte: ANTÓNIO BRANCO (jazz.pt)

 

 

 

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