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sábado, 2 de março de 2024

ARNOLD DREYBLATT & THE ORCHESTRA OF EXCITED STRINGS – RESOLVE

“Nodal Excitation” foi um dos discos mais excitantes dos anos 80 e fundador da segunda geração do minimalismo americano, em que o rock tem uma presença mais definida. Bebeu de várias fontes: por um lado da primeira geração de minimalismo repetitivo de Glass e Reich que tinha começado a sair em disco no final dos anos 60 (e inevitavelmente dos seus progenitores “drônicos” LaMonte Young e Tony Conrad [ou “Billy Name” quando estava no grupo de Young) e Riley. Por outro a música de Harry Partch que propunha um sistema de microtonalidade e o uso das escalas harmônicos (“just intonation”) e dos modos gregos. E ainda a influência de Alvin Lucier e da sua ideia de aproveitar as ressonâncias naturais, dos instrumentos e da arquitetura, consolidada em “I’m Sitting In A Room” (1969), uma obra fundamental na música do século XX. Tudo isto misturado pelo cérebro do jovem Dreyblatt resultou numa “Orchestra Of Excited Stings” e num disco seminal: “Nodal Excitation” de 1982 (e num segundo não menos interessante, “Propellers In Love” em 1986).

Pela porta aberta por Dreyblatt entraram vários músicos que tiveram maior reconhecimento como Elliott Sharp, Glenn Branca e Rhys Chatham; e pela destes segundos, grupos como os Sonic Youth, os DNA. E desta fonte ainda irá beber a geração mais recente de David Grubbs, Jim O'Rourke, John McEntire e Oren Ambarchi. Por isso, para se compreender e contextualizar a música destes últimos, nada melhor do que ir à raiz.

A “Orquestra Of Excited Stings” era na verdade um quinteto, originalmente com Greg Lewis no Hurdy Gurdy (Nota: A sanfona, também chamada de viela de roda, viola de roda e até gaita de roda é um instrumento musical de cordas friccionadas acionado por uma manivela), Kraig Hill no órgão portátil de fole, Peter Phillips num piano miniatura e Michael Hauenstein e Arnold Dreyblatt em contrabaixos “excitados”. Teve diferentes formações dirigidas pelo compositor e músico. Nos anos 90, John Zorn reviu e regravou as composições de Dreyblatt com um grupo mais elétrico (“Animal Magnetism”) com uma sonoridade diferente da original. Também a “Table Of The Elements” fez algumas edições de música que tinha ficado gravada. A partir de 2020 dá-se a redescoberta desta música preciosa com uma série de discos de gravações que tinham ficado perdidas nos anos 80.

Agora é a vez da Americana Drag City (que já tinha feito uma excelente reedição de “Nodal Excitation”) rever esta música extraordinária. “Resolve” edita pela primeira vez música nova de Dreyblatt, tocada por uma nova “Orchestra Of Excited Strings”, que agora é um quarteto: Konrad Sprenger (conhecido como Jörg Hiller) contribui com o seu tratamento de solenoides, ondas sinusoides, guitarra elétrica controlada por computador e bateria. Joachimv Schütz traz a eletrônica e a guitarra elétrica, Oren Ambarchi as suas inovações no tratamento de sinais eletrônicos e o famoso contrabaixo “excitado” de Arnold Dreyblatt.

O lado A traz 3 composições novas que exploram as potencialidades desta versão moderna da Orquestra e das particularidades destes músicos. A sonoridade é muito parecida com a que estávamos habituados na versão original e os princípios de exploração microtonal e microrítmica estão tão interessantes como em 1980. O passo está agora mais acelerado e há uma maior riqueza harmônica e textural.  No lado B apenas um tema, “Auditoria” com 17 minutos em que Ambarchi e Sprenger usam o material sonoro gravado da “Orchestra” e produzem-no valorizando ainda mais os harmônicos e regressando a um andamento mais lento.

Depois de ter feito esta música deslumbrante, no final dos anos 70 e início dos anos 90, o compositor abandonou Nova Iorque para se instalar na Europa: primeiro Amsterdã e depois a Alemanha, onde ficou a residir até hoje, ligado ao ensino (diretor do departamento de artes visuais da Akademie der Künste).

Na altura esta música soava radical e ainda hoje ainda soa interessantíssima. Já não é um projeto extremo e de difícil digestão. Foram precisos 40 anos e duas gerações de músicos a usarem as mesmas ideias para que a pudéssemos perceber e assimilar sem esforço. Deste período inicial fica a memória de um tempo em que o único objetivo de fazer música era o de criar coisas diferentes e em que Nova Iorque era o centro cultural do mundo e donde vinham quase todas as novidades musicais em todas as áreas.

“Resolve” com qualidade e para o futuro, uma música que estava dentro de dois LP’s pouco conhecidos. Descerra a uma geração mais nova, mostrando que ainda há muitas coisas por explorar. Não resolve, como nada se “resolve”. Põe a “Orchestra of Excited Strings” em pratos limpos e reaviva os princípios rítmicos e harmônicos de Dreyblatt a quem queira fazer com eles o que o compositor fez com a obra dos que os precederam: coisas novas.

Músicos :Arnold Dreyblatt & The Orchestra Of Excited Strings; Joachim Schütz— guitarra elétrica, eletrônica, Oren Ambarchi— guitarra elétrica;Arnold Dreyblatt— baixo com “cordas excitadas”.

Fonte: GONÇALO FALCÃO (jazz.pt)

 

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