“Nodal Excitation” foi um dos discos mais excitantes dos
anos 80 e fundador da segunda geração do minimalismo americano, em que o rock
tem uma presença mais definida. Bebeu de várias fontes: por um lado da primeira
geração de minimalismo repetitivo de Glass e Reich que tinha começado a sair em
disco no final dos anos 60 (e inevitavelmente dos seus progenitores “drônicos”
LaMonte Young e Tony Conrad [ou “Billy Name” quando estava no grupo de Young) e
Riley. Por outro a música de Harry Partch que propunha um sistema de
microtonalidade e o uso das escalas harmônicos (“just intonation”) e dos
modos gregos. E ainda a influência de Alvin Lucier e da sua ideia de aproveitar
as ressonâncias naturais, dos instrumentos e da arquitetura, consolidada em
“I’m Sitting In A Room” (1969), uma obra fundamental na música do século XX.
Tudo isto misturado pelo cérebro do jovem Dreyblatt resultou numa “Orchestra Of
Excited Stings” e num disco seminal: “Nodal Excitation” de 1982 (e num segundo
não menos interessante, “Propellers In Love” em 1986).
Pela porta aberta por Dreyblatt entraram vários músicos que
tiveram maior reconhecimento como Elliott Sharp, Glenn Branca e Rhys Chatham; e
pela destes segundos, grupos como os Sonic Youth, os DNA. E desta fonte ainda
irá beber a geração mais recente de David Grubbs, Jim O'Rourke, John McEntire e
Oren Ambarchi. Por isso, para se compreender e contextualizar a música destes
últimos, nada melhor do que ir à raiz.
A “Orquestra Of Excited Stings” era na verdade um quinteto,
originalmente com Greg Lewis no Hurdy Gurdy (Nota: A
sanfona, também chamada de viela de roda, viola de roda e até gaita de roda é
um instrumento musical de cordas friccionadas acionado por uma manivela),
Kraig Hill no órgão portátil de fole, Peter Phillips num piano miniatura e
Michael Hauenstein e Arnold Dreyblatt em contrabaixos “excitados”. Teve
diferentes formações dirigidas pelo compositor e músico. Nos anos 90, John Zorn
reviu e regravou as composições de Dreyblatt com um grupo mais elétrico
(“Animal Magnetism”) com uma sonoridade diferente da original. Também a “Table
Of The Elements” fez algumas edições de música que tinha ficado gravada. A
partir de 2020 dá-se a redescoberta desta música preciosa com uma série de discos
de gravações que tinham ficado perdidas nos anos 80.
Agora é a vez da Americana Drag City (que já tinha feito uma
excelente reedição de “Nodal Excitation”) rever esta música extraordinária.
“Resolve” edita pela primeira vez música nova de Dreyblatt, tocada por uma nova
“Orchestra Of Excited Strings”, que agora é um quarteto: Konrad Sprenger (conhecido
como Jörg Hiller) contribui com o seu tratamento de solenoides, ondas
sinusoides, guitarra elétrica controlada por computador e bateria. Joachimv
Schütz traz a eletrônica e a guitarra elétrica, Oren Ambarchi as suas
inovações no tratamento de sinais eletrônicos e o famoso contrabaixo “excitado”
de Arnold Dreyblatt.
O lado A traz 3 composições novas que exploram as
potencialidades desta versão moderna da Orquestra e das particularidades destes
músicos. A sonoridade é muito parecida com a que estávamos habituados na versão
original e os princípios de exploração microtonal e microrítmica estão tão
interessantes como em 1980. O passo está agora mais acelerado e há uma maior
riqueza harmônica e textural. No lado B
apenas um tema, “Auditoria” com 17 minutos em que Ambarchi e Sprenger usam o
material sonoro gravado da “Orchestra” e produzem-no valorizando ainda mais os
harmônicos e regressando a um andamento mais lento.
Depois de ter feito esta música deslumbrante, no final dos
anos 70 e início dos anos 90, o compositor abandonou Nova Iorque para se
instalar na Europa: primeiro Amsterdã e depois a Alemanha, onde ficou a residir
até hoje, ligado ao ensino (diretor do departamento de artes visuais da
Akademie der Künste).
Na altura esta música soava radical e ainda hoje ainda soa
interessantíssima. Já não é um projeto extremo e de difícil digestão. Foram
precisos 40 anos e duas gerações de músicos a usarem as mesmas ideias para que
a pudéssemos perceber e assimilar sem esforço. Deste período inicial fica a
memória de um tempo em que o único objetivo de fazer música era o de criar
coisas diferentes e em que Nova Iorque era o centro cultural do mundo e donde
vinham quase todas as novidades musicais em todas as áreas.
“Resolve” com qualidade e para o futuro, uma música que
estava dentro de dois LP’s pouco conhecidos. Descerra a uma geração mais nova,
mostrando que ainda há muitas coisas por explorar. Não resolve, como nada se “resolve”.
Põe a “Orchestra of Excited Strings” em pratos limpos e reaviva os princípios
rítmicos e harmônicos de Dreyblatt a quem queira fazer com eles o que o
compositor fez com a obra dos que os precederam: coisas novas.
Músicos :Arnold Dreyblatt & The Orchestra Of Excited
Strings; Joachim Schütz— guitarra elétrica, eletrônica, Oren Ambarchi—
guitarra elétrica;Arnold Dreyblatt— baixo com “cordas excitadas”.
Fonte: GONÇALO FALCÃO (jazz.pt)
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