Embora a combinação do saxofonista Frode Gjerstad— o
padrinho do free jazz norueguês que vive o mais longe possível do chamado som
nórdico — e o pianista Matthew Shipp - cuja linhagem pode ser rastreada através
do que ele chama de The Black Mystery School (NT:
A Escola Negra de Mistérios), que bebe em Thelonious Monk, Mal Waldron e
Randy Weston dentre outros— possa parecer improvável, faz todo o sentido quando
você ouve. Da primeira peça "About Music" em diante, fica claro que
esse emparelhamento não é apenas intransigente e inconstante, mas também
simpático.
De fato, a distância entre os dois (apesar dos mais de 5500
quilômetros entre Stavanger e Nova Iorque) não é tão bom quanto pode parecer. Embora
Gjerstad habite o território de especialistas europeus em improvisação, como o
guitarrista Derek Bailey e o iconoclasta Peter Brötzmann, ele tem, também, uma
parceria produtiva com o baixista William Parker, o baterista Hamid Drake e
Ornette Coleman, o trompetista Bobby Bradford, o que o aproxima muito mais da
órbita de Shipp. Nem “We Speak” é seu primeiro encontro gravado. Essa foi a
data inesperadamente cheia de compaixão documentada como “Season Of Sadness
(Iluso Records, 2019)”, em companhia do cellista Fred Lonberg-Holm.
Como outro frequente associado a Shipp, o saxofonista Ivo
Perelman, Gjerstad exibe uma afinidade marcante para os registros mais altos,
particularmente no clarinete. Porém, na verdade, ele os coloca dentro de um
discurso ainda mais abstrato. Gjerstad favorece um rosnado gutural que pode
ziguezaguear em falsete. Porém, ele também se mostra capaz de explosões de
ternura quase melódica e sequências de balidos falsos e tons abafados que
sugerem vulnerabilidade e fragilidade. Em estilo inimitável, o barômetro
interno de Shipp oscila descontroladamente entre trovões, sol, geada e chuvas, mas,
no entanto, tem o efeito de aproximar Gjerstad do vernáculo do jazz.
Embora não haja nada que se assemelhe a um uníssono ou
harmonia pré-arranjada aqui, há uma abundância de cadências compartilhadas e acordo
em termos de humor e ritmo. Estes humores se transformam constantemente, com
dois impulsos às vezes opostos, muitas vezes combinados para criar um tom geral
mais instável e ambíguo. Isso é auxiliado pelo contraste agradável entre os
guinchos altíssimos de Gjerstad e a extremidade inferior forte de Shipp,
especialmente notável na faixa final, "About Peace", mas um recurso
recorrente em todo. A faixa mais longa, "About Conspiracies" com dois
minutos, revela-se especialmente plástica, atravessando não apenas picos de
alto drama, mas também vales de delicadeza. Sua intensidade também é temperada
por passagens de surpreendente sensibilidade em outros lugares, pisando
cautelosamente em "About Equality", como se estivesse andando na
ponta dos pés sobre gelo fino.
Ao longo das oito faixas de estúdio, Gjerstad e Shipp
negociam um equilíbrio rigoroso entre empatia e agência de maneiras
consistentemente estimulantes e imprevisíveis, porém o mais importante de tudo,
agradável.
Faixas: About
Music; About Hearing; About Freedom Of Expression; About Conspiracies; About
Minorities; About Equality; About Silence; About Peace.
Músicos: Frode Gjerstad (saxofone alto, clarinete); Matthew
Shipp (piano).
Fonte: John
Sharpe (AllAboutJazz)
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