A qualidade
das produções musicais nem sempre é acompanhada do mediatismo que lhes seria
merecido. Exigido, até. Felizmente, apesar do pouco mediatismo que lhes é
dedicado, não significa que as obras e os artistas que as criam e lhes dão
corpo - compositores, intérpretes, produtores, técnicos - não sejam merecedores
de reconhecimento e respeito por quem com elas contata e as sabe ouvir.
Apreciar, no verdadeiro sentido do conceito.
É este o caso
de Carlos Peninha: um músico completo, pleno; compositor e guitarrista (aliás,
multi-instrumentista) com um conhecimento vastíssimo que domina tecnicamente em
qualquer corrente estética e sempre com excelentes recursos musicais que se
adaptam e enriquecem (o tal “bom gosto”, sofisticado e sem imposições, com
segurança e discrição: da música de raiz tradicional popular à música
improvisada).
Todavia, não
será forçado dizer que Carlos Peninha é habitante dos territórios do jazz, com
influências de outras estéticas, ali no estado jazz fusão. Mas jazz. Jazz a
sério e sério. É isso que nos proporciona uma vez mais no seu último álbum:
“Tudo começa agora”. Este quarto trabalho de Carlos Peninha foi lançado em
setembro de 2023, está disponível em CD e nas plataformas digitais, e apresenta
10 composições de sua autoria e orquestrações de cordas assinadas por Manuel
Maio, que também integra o trio de cordas e colaborou na produção artística
juntamente com Miguel Ângelo.
Em “Tudo
começa agora” estamos perante uma obra musical de excelência, desde logo -
música jazz que não fica minimamente atrás do que internacionalmente se tem
produzido. Não farei comparações com outras obras ou outros artistas porque
seria simplista, redutor e até questionável. Sabe-se que é da natureza humana
associar o que se ouve ao que já se conhece, a esse universo musical pessoal
que cada indivíduo foi construindo. Seria indutor e injusto, uma vez que Carlos
Peninha tem, mais uma vez neste álbum, a sua assinatura, identificável e
inconfundível.
O álbum
desenvolve-se como uma suíte de 10 temas belos, alguns arrojados, com passagens
complexas e belas, bem estruturados e fluidos, sem excessos, exibicionismos ou
ostentações. Peninha arrisca na fusão tímbrica com frases em uníssono onde
entram violino, viola d’arco e violoncelo. A este respeito julgo que as orquestrações
de Manuel Maio, também elas com passagens arrojadas e de muito bom gosto, estão
muito bem construídas, bem definidas na intenção interpretativa, nos efeitos tímbricos
e nos registros, para além da seleção dos recursos e das ideias que vieram
acrescentar qualidade musical e valor estéticos à obra.
Para apreciar
este trabalho é preciso ter a sabedoria de ouvir e sentir com o espírito. Se
for ouvido com as orelhas primárias da razão, então, são exigidos recursos
técnicos, musicológicos, que permitam uma avaliação séria e rigorosa. É que, é
cada vez mais difícil alcançar um espaço dentro de uma música assumidamente
tonal, melódica e, ainda assim, fazer novo e bom. Como faz Peninha. Uma música
que soa simples e que está muitíssimo longe de ser simplista. Antes pelo
contrário: afinal, estamos perante um álbum cuja música possui grande
complexidade: harmônica, melódica, na própria estrutura e na organização dos
temas, nas ambiências, mas também na dificuldade na execução e na
interpretação.
Para além da
composição e das orquestrações é crucial reconhecer a importância (óbvia) da
banda, que está perfeitamente enquadrada e coesa, segura. Cada um dos músicos
revela dominar o instrumento, a estética e, acima de tudo, a linguagem do
compositor Carlos Peninha. E este aspeto é fulcral para a qualidade constatável
no álbum.
Além da
composição e da direção geral do trabalho, Carlos Peninha apresenta-se na
guitarra elétrica. Nos saxofones, Rodrigo Neves; na flauta transversal, Luísa
Vieira; Miguel Ângelo no contrabaixo; Leandro Leonet na bateria; Manuel Maio no
violino; Vincent Brunel viola d’arco e Ángel González no violoncelo. A edição
gráfica e a ilustração são assinadas por Mariana Marques e a fotografia é de
Luís Rito.
“Tudo começa
agora”… mas só para quem ainda não conhecia a música de Carlos Peninha.
Faixas
1.Tudo começa agora 07:17
2.Coral 06:08
3.Janela do mundo 04:31
4.Enquanto a chuva não vem 01:27
5.Quase 04:18
6.Incerto 03:27
7.Sul 06:00
8.Horizonte de fogo 06:19
9.Pequenas coisas 03:05
10.Semear Abril 07:06
https://www.youtube.com/watch?v=bvWaCz6f1tU
Fonte: HÉLDER
BRUNO MARTINS (jazz.pt)
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