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sábado, 6 de abril de 2024

JAIMIE BRANCH - FLY OR DIE FLY OR DIE FLY OR DIE (WORLD WAR) [International Anthem]

Coming down from the mountain (Descendo da montanha)

I have seen the high and mighty (Eu vi o alto e poderoso)

I will go again someday (Eu irei novamente algum dia)

But for now I'm coming down (Mas por enquanto estou descendo)

Em “The Proud Highway: Saga of a Desperate Southern Gentleman”, Hunter S. Thompson escreveu um epitáfio acidental que de algum modo retém as ideias do título do disco de Jaimie Branch: “Life should not be a journey to the grave with the intention of arriving safely in a pretty and well preserved body, but rather to skid in broadside in a cloud of smoke, thoroughly used up, totally worn out, and loudly proclaiming "Wow! What a Ride!” (Em tradução livre, “A vida não deveria ser uma viagem ao túmulo com a intenção de chegar com segurança em um corpo bonito e bem preservado, mas sim deslizar de lado em uma nuvem de fumaça, completamente desgastado, totalmente desgastado, e proclamando em voz alta: “Uau! Que viagem!"

“Fly or Die Fly or Die Fly or Die” é um título que pode ter várias leituras; a que mais me parece assentar-lhe é “Voa ou morre mosca ou morre - voa ou morre” e evoca a luta por uma ideia de liberdade e risco criativo, de um regresso às coisas fundamentais e à história. “We are the cloud faced warriors / Of the folk I ensure” canta em “Burning Grey”. “Watch your step, watch your step, Don't forget, don't forget, don't forget, don't forget”(Em tradução livre, Nós somos os guerreiros enfrentados pelas nuvens / Do povo que eu garanto” canta em “Burning Grey”. “Cuidado onde pisa, cuidado com onde pisa, Não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça”).

“Borealis Dancing”, a música que abre o disco, é uma melodia simples muito atraente em que as percussões, um sintetizador desatualizado e umas cordas instalam uma dança sobre a qual o trompete flutua. Somos imediatamente atraídos para o que se vem a seguir e o que vem a seguir não desaponta. É igualmente sedutor, melódico e curioso em termos sonoros. Diz-nos desde o início que Branch tem a veia melódica dos compositores clássicos italianos e mistura-a com a das festas de aldeia.

“The Mountain” tem um perfume country mas é só uma linha de baixo com uma melodia de acampamento adolescente que desemboca em música domingueira. Branch usa com imensa habilidade soluções simples, dando-lhes perfeição e originalidade.

“Baba Louie” é sobre a nossa relação com as coisas importantes e em particular com a terra. Podemos acordar durante um ano com esta frase musical que é um movimento floral; cheia de vida. Desenvolve-se num ritmo sincopado caribenho rápido, com uma percussão pulsante sobre o qual mais uma vez o trompete voa maravilhosamente.

No final do disco, Branch (que era carinhosamente tratada por “Breezy”) regressa ao discurso político acintosamente. “Take Over the World” dispara num ritmo rockeiro e avisa “Give it, give it, give it back, back, back Back to the l-l-l-land” entre sons acústicos e digitais.

Este disco é também sobre música que não se conforma em ser uma ideia museológica de uma música. Reafirma o jazz como a música popular americana, sempre em renovação, e que a América (– com dificuldade – acrescentaríamos) continua a ser capaz de o fazer avançar e de não o querer fechar em fronteiras que na verdade são mais económicas do que artísticas. “Roll with the people who let you love life / Without any damn situations. Walk your talk, watch your step / Don't forget, don't forget, don't forget, don't forget / Don't forget, don't forget, don't forget, don't forget” (Em tradução livre, Role com as pessoas que te deixam amar a vida / Sem nenhuma maldita situação. Faça o que fala, observe onde pisa / Não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça / Não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça”).

Porque a Fundação Gulbenkian é um festival que também arrisca e está atento ao que se faz de mais novo, tivemos a oportunidade de ouvir Jaimie Branch ao vivo em agosto do ano passado. Primeiro com os Anteloper (o seu duo com o baterista Jason Nazary) e a tocar na Exploding Star Orchestra de Rob Mazurek (e a dançar ao som do Damon Locks Black Monument Ensemble). Este disco também soa a uma obra sobre a vida, sobre gostar de viver e sobre um projeto para a vida. Quanto mais a escutamos mais sentimos que morreu demasiado cedo, mas enquanto viveu sugou o tutano da vida. Como Hunter S. Thompson preceituou, viveu em cheio, com a convicção que estava a abrir caminhos e a fazer aquilo em que acreditava. Estamos em crer que o título do disco se resolve positivamente quando lemos: “I wish I had the time, I wish I had the time / Had the time, I had the time, I had the time of my life”. O passado do jazz e o futuro convivem bem neste disco que soa a um manifesto.

“Fly or Die Fly or Die Fly or Die ((world war))” não é um disco excelente porque é o último de uma música que morreu antetempo. É excelente porque se ouve com imenso prazer e porque depois de ouvido dá vontade de o ouvir novamente. É brilhante também porque questiona esta música com um século - a “grande música negra”, a música popular americana e procura dar-lhe novos caminhos e – acima de tudo – uma razão forte para existir. É importante porque fala de valores: porque nos dá a ouvir a respiração intelectual da trompetista. Porque fala de arte e do que fazer com o jazz. Porque é uma obra, no sentido mais profundo do termo, de uma música que tinha propostas para o seu tempo e que as soube transformar em sons.

Faixas

1.aurora rising 01:58

2.borealis dancing 07:01

3.burning grey 09:10

4.the mountain 04:56

5.baba louie 09:07

6.bolinko bass 04:32

7.and kuma walks 01:59

8.take over the world 04:58 video

9.world war ((reprise)) 03:06

 Musicos: Jaimie Branch— Trompete, Voz, Teclados, Percussão, “happy apple”; Lester St. Louis— Violoncelo, Voz, Fauta, Marimba, Teclados; Jason Ajemian— Contrabaixo, Baixo elétrico, Voz, Marimba; Chad Taylor— Bateria, Mbira, Timpani, Sinos, Marimba; Nick Broste— Trombone; Rob Frye— Flauta, Clarinete baixo; Akenia Seymour— voz; Daniel Villarreal— Congas, Percussão; Kuma Dog— voz

Fonte: GONÇALO FALCÃO (jazz.pt)

 

 

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