Coming down from the mountain (Descendo da montanha)
I have seen the high and mighty (Eu vi o alto e
poderoso)
I will go
again someday (Eu irei novamente algum dia)
But for now
I'm coming down (Mas por enquanto estou descendo)
Em “The Proud Highway: Saga of a Desperate Southern
Gentleman”, Hunter S. Thompson escreveu um epitáfio acidental que de algum modo
retém as ideias do título do disco de Jaimie Branch: “Life should not be a
journey to the grave with the intention of arriving safely in a pretty and well
preserved body, but rather to skid in broadside in a cloud of smoke, thoroughly
used up, totally worn out, and loudly proclaiming "Wow! What a Ride!” (Em tradução livre, “A vida não deveria ser uma viagem ao
túmulo com a intenção de chegar com segurança em um corpo bonito e bem
preservado, mas sim deslizar de lado em uma nuvem de fumaça, completamente
desgastado, totalmente desgastado, e proclamando em voz alta: “Uau! Que
viagem!"
“Fly or Die
Fly or Die Fly or Die” é um título que pode ter várias leituras; a que mais me
parece assentar-lhe é “Voa ou morre mosca ou morre - voa ou morre” e evoca a
luta por uma ideia de liberdade e risco criativo, de um regresso às coisas
fundamentais e à história. “We are the cloud faced warriors
/ Of the folk I ensure” canta em “Burning Grey”. “Watch your step, watch your step, Don't forget,
don't forget, don't forget, don't forget”(Em
tradução livre, Nós somos os guerreiros enfrentados pelas nuvens / Do povo que
eu garanto” canta em “Burning Grey”. “Cuidado onde pisa, cuidado com onde pisa,
Não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça”).
“Borealis
Dancing”, a música que abre o disco, é uma melodia simples muito atraente em
que as percussões, um sintetizador desatualizado e umas cordas instalam uma
dança sobre a qual o trompete flutua. Somos imediatamente atraídos para o que
se vem a seguir e o que vem a seguir não desaponta. É igualmente sedutor,
melódico e curioso em termos sonoros. Diz-nos desde o início que Branch tem a
veia melódica dos compositores clássicos italianos e mistura-a com a das festas
de aldeia.
“The
Mountain” tem um perfume country mas é só uma linha de baixo com uma
melodia de acampamento adolescente que desemboca em música domingueira. Branch
usa com imensa habilidade soluções simples, dando-lhes perfeição e
originalidade.
“Baba Louie”
é sobre a nossa relação com as coisas importantes e em particular com a terra.
Podemos acordar durante um ano com esta frase musical que é um movimento floral;
cheia de vida. Desenvolve-se num ritmo sincopado caribenho rápido, com uma
percussão pulsante sobre o qual mais uma vez o trompete voa maravilhosamente.
No final do
disco, Branch (que era carinhosamente tratada por “Breezy”) regressa ao
discurso político acintosamente. “Take Over the World” dispara num
ritmo rockeiro e avisa “Give it, give it, give it back, back, back Back to the
l-l-l-land” entre sons acústicos e digitais.
Este disco é
também sobre música que não se conforma em ser uma ideia museológica de uma
música. Reafirma o jazz como a música popular americana, sempre em renovação, e
que a América (– com dificuldade – acrescentaríamos) continua a ser capaz de o
fazer avançar e de não o querer fechar em fronteiras que na verdade são mais
económicas do que artísticas. “Roll with the people who let you
love life / Without any damn situations. Walk your talk, watch your step /
Don't forget, don't forget, don't forget, don't forget / Don't forget, don't
forget, don't forget, don't forget” (Em tradução livre, Role com as pessoas que te deixam
amar a vida / Sem nenhuma maldita situação. Faça
o que fala, observe onde pisa / Não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça,
não se esqueça / Não se esqueça, não se esqueça, não se esqueça, não se
esqueça”).
Porque a
Fundação Gulbenkian é um festival que também arrisca e está atento ao que se
faz de mais novo, tivemos a oportunidade de ouvir Jaimie Branch ao vivo em
agosto do ano passado. Primeiro com os Anteloper (o seu duo com o baterista
Jason Nazary) e a tocar na Exploding Star Orchestra de Rob Mazurek (e a dançar
ao som do Damon Locks Black Monument Ensemble). Este disco também soa a uma
obra sobre a vida, sobre gostar de viver e sobre um projeto para a vida. Quanto
mais a escutamos mais sentimos que morreu demasiado cedo, mas enquanto viveu
sugou o tutano da vida. Como Hunter S. Thompson preceituou, viveu em cheio, com
a convicção que estava a abrir caminhos e a fazer aquilo em que acreditava. Estamos
em crer que o título do disco se resolve positivamente quando lemos: “I wish I
had the time, I wish I had the time / Had the time, I had the time, I had the
time of my life”. O
passado do jazz e o futuro convivem bem neste disco que soa a um manifesto.
“Fly or Die
Fly or Die Fly or Die ((world war))” não é um disco excelente porque é o último
de uma música que morreu antetempo. É excelente porque se ouve com imenso
prazer e porque depois de ouvido dá vontade de o ouvir novamente. É brilhante
também porque questiona esta música com um século - a “grande música negra”, a
música popular americana e procura dar-lhe novos caminhos e – acima de tudo –
uma razão forte para existir. É importante porque fala de valores: porque nos
dá a ouvir a respiração intelectual da trompetista. Porque fala de arte e do
que fazer com o jazz. Porque é uma obra, no sentido mais profundo do termo, de
uma música que tinha propostas para o seu tempo e que as soube transformar em
sons.
Faixas
1.aurora
rising 01:58
2.borealis
dancing 07:01
3.burning
grey 09:10
4.the
mountain 04:56
5.baba
louie 09:07
6.bolinko
bass 04:32
7.and
kuma walks 01:59
8.take
over the world 04:58 video
9.world
war ((reprise)) 03:06
Musicos: Jaimie Branch— Trompete, Voz, Teclados, Percussão, “happy apple”; Lester St. Louis— Violoncelo, Voz, Fauta, Marimba, Teclados; Jason Ajemian— Contrabaixo, Baixo elétrico, Voz, Marimba; Chad Taylor— Bateria, Mbira, Timpani, Sinos, Marimba; Nick Broste— Trombone; Rob Frye— Flauta, Clarinete baixo; Akenia Seymour— voz; Daniel Villarreal— Congas, Percussão; Kuma Dog— voz
Fonte:
GONÇALO FALCÃO (jazz.pt)
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