“Interaction”,
o novo lançamento de Ivo Perelman, Barry Guy e Ramon Lopez, possui um título
expositivo e honesto. Gravado em Paris em 2017, é um registo explícito de três
grandes músicos em comunhão. As interações que daí saem são especialmente
interessantes por carregarem marcas de toda uma história do desenvolvimento do
free jazz. Esta sessão de música funciona realmente como uma exposição historiográfica,
permeada por todas as imposições históricas que circundam o grupo – o panorama,
global, vai desde Londres, onde Ivo Perelman teve aulas com Evan Parker, e
Barry Guy fundou o grupo Iskra 1903 com Derek Bailey e Paul Rutherford, até a
Índia da tabla, instrumento percussivo tocado por Ramon Lopez. Durante mais de
duas horas de improvisação, divididas em duas partes, tudo isto se faz
presente. Portanto, faz bastante sentido compreender este registo mais como um
momento, um episódio, uma inscrição na longa história temporal e espacial da
música, do que como um acontecimento particular muito bem delimitado e
arrodeado por fronteiras rígidas. A música evocada por Perelman, Guy e Lopez é
uma música do diálogo – tanto o diálogo pessoal, imediato, entre os três
improvisadores, que se compreendem bem e produzem um discurso, mesmo nos seus
momentos mais caóticos, inteligível, como o diálogo transversal, que dispersa
os sons na imensidão do cenário histórico em movimentos diaspóricos de
libertação.
Ainda assim,
é também possível e produtivo examinar o disco a partir de certas faixas
específicas, percebendo-as como delimitações individuais e observando suas
riquezas. Os processos lógicos de construção musical que nortearam o grupo são
perceptíveis, por exemplo, no espelhamento exemplificado na segunda e na quarta
faixa da primeira parte. A segunda faixa, aberta com pequenos espasmos
metálicos e baixos murmúrios, rapidamente se transforma numa improvisação
comunitária, como que um momento de festa, onde a expressão é mais importante
que a comunicação propriamente dita, mas lentamente se dissolve numa linha
melódica do lírico saxofone tenor de Perelman. Acontece o contrário na quarta
faixa, onde uma melodia tonalíssima muito congruente de Perelman mostra as suas
várias facetas, numa dinâmica de temas e variações, à medida que se desconstrói
e, nos seus silêncios, convida à fala alheia, sempre retomando o discurso
inicial que instaurou o momento da discussão. Já na segunda parte, na terceira
faixa, por exemplo, a tabla de Lopez demonstra a versatilidade dos músicos e a
pluralidade de caminhos possíveis, num momento bastante interessante pela
utilização do saxofone de maneira quase percussiva, de maneira que os dedos de
Perelman, tocando os pistões do saxofone, se assemelham aos dedos de Lopez,
tocando a tabla. Tais criatividades convergentes, como quando o contrabaixo de
Guy abandona o pizzicato e toca longas notas que se confundem com os sopros
cheios de fôlego de Perelman, são certificados que comprovam como as interações
aqui presente são recíprocas, conscientes e riquíssimas.
Faixas
1.Part 1
- Track 1 05:38
2.Part 1
- Track 2 07:00
3.Part 1
- Track 3 09:29
4.Part 1
- Track 4 08:18
5.Part 1
- Track 5 08:37
6.Part 1
- Track 6 10:15
7.Part 1
- Track 7 05:08
8.Part 1
- Track 8 06:05
9.Part 1
- Track 9 01:37
10.Part
1 - Track 10 05:36
11.Part
1 - Track 11 06:09
12.Part
2 - Track 1 07:32
13.Part
2 - Track 2 04:20
14.Part
2 - Track 3 02:45
15.Part
2 - Track 4 06:16
16.Part
2 - Track 5 06:16
17.Part
2 - Track 6 09:15
18.Part
2 - Track 7 04:21
19.Part
2 - Track 8 07:16
20.Part
2 - Track 9 07:17
Músicos: Ivo Perelman— saxofone tenor; Barry Guy— contrabaixo; Ramon Lopez— percussão, tabla
Fonte: OLIVER
PATRIOTA (jazz.pt)
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