Em 1934,
Edgar Adrian e Bryan Matthews traduziram um eletroencefalograma em sinais de
áudio: das oscilações de um cérebro, retiraram som. Pouco depois, Reinhald
Furth e Edmund Bevers criaram uma coisa a que chamaram de encefalofone, que
entretanto, com os avanços da tecnologia, evoluiu para algo a que se pode
chamar de "instrumento musical" - tocado não com os dedos ou com a
boca ou com qualquer outro membro, mas através de ondas cerebrais. De tudo
isto, que para um absoluto leigo parece saído da ficção científica, brota uma
nova forma de se fazer música, que rejeita o intermediário, o corpo, e vai
direto à fonte, o cérebro.
A performance começou assim: uma mulher sentou-se, em palco, foi-lhe colocado um capacete na cabeça cheio de fios e receptores vários, o cérebro pulsou e emitiu sons. À volta desses sons, um grupo de músicos liderado pelo japonês Masaki Batoh (que criou nome através dos Ghost, não, não os patetas suecos, mas os fritos do Sol Nascente) compôs o resto, com recurso a gongos, tablas, percussão, gaitas de foles, o que mais houvesse ali à mão. O resultado é "an evening with nehan", em que "nehan" é o nome do grupo em questão e "an evening with..." um concerto de agosto de 2022 no GOK Sound, em Tóquio.
Editado agora
pela Drag City, "an evening with nehan" tem um problema: toda a
premissa parece demasiado *fixe* para só termos a ela acesso através de um
registo áudio (se bem que existam alguns vídeos, algo assombrosos, no YouTube).
Ainda para mais quando a própria capa do álbum se apresenta tão exótico-misteriosa,
com Batoh no meio, de preto, braços cruzados, cartola, médico da peste sem a
sua máscara. Como em muitos álbuns gravados ao vivo, tínhamos que ter lá
estado. Como quase nenhum álbum ao vivo, este só se entenderia a 100% tendo lá
estado.
Ficamos por
isso com um ligeiro amargo na boca por ainda não se ter inventado o
teletransporte, por não se ter uma carteira recheadíssima para se poder ir ao
Japão como quem apanha o metrô para os Olivais, ou por ainda não existir um
meio de se consumir música que abarque todos os sentidos e não apenas a audição
("realidade virtual" não conta). Mas imagina, humanidade: se já se
consegue criar música só ligando o cérebro a uma máquina, um dia bastará
colocar um capacete com uma série de fios para testemunhar, sem se sair de
casa, um espetáculo único (a não ser que nessa altura, dada a nossa propensão
para a nostalgia, já não existam espetáculos únicos). "an evening with
nehan" não é um disco essencial para os nossos ouvidos. Mas é um disco
imprescindível para a imaginação.
Músicos: Masaki
Batoh— eletrônica; Haruo Kondo— hurdy-gurdy, gaita de foles, cromorno; Futoshi
Okano— percussão, gongos; Junzo Tateiwa— tabla, percussão; Satri— voz (“Brain
Pulse Subject”).
Fonte: PAULO
ANDRÉ CECÍLIO (jazz.pt)
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