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sábado, 18 de maio de 2024

NEHAN - AN EVENING WITH NEHAN (Drag City)

Em 1934, Edgar Adrian e Bryan Matthews traduziram um eletroencefalograma em sinais de áudio: das oscilações de um cérebro, retiraram som. Pouco depois, Reinhald Furth e Edmund Bevers criaram uma coisa a que chamaram de encefalofone, que entretanto, com os avanços da tecnologia, evoluiu para algo a que se pode chamar de "instrumento musical" - tocado não com os dedos ou com a boca ou com qualquer outro membro, mas através de ondas cerebrais. De tudo isto, que para um absoluto leigo parece saído da ficção científica, brota uma nova forma de se fazer música, que rejeita o intermediário, o corpo, e vai direto à fonte, o cérebro.

A performance começou assim: uma mulher sentou-se, em palco, foi-lhe colocado um capacete na cabeça cheio de fios e receptores vários, o cérebro pulsou e emitiu sons. À volta desses sons, um grupo de músicos liderado pelo japonês Masaki Batoh (que criou nome através dos Ghost, não, não os patetas suecos, mas os fritos do Sol Nascente) compôs o resto, com recurso a gongos, tablas, percussão, gaitas de foles, o que mais houvesse ali à mão. O resultado é "an evening with nehan", em que "nehan" é o nome do grupo em questão e "an evening with..." um concerto de agosto de 2022 no GOK Sound, em Tóquio.

Editado agora pela Drag City, "an evening with nehan" tem um problema: toda a premissa parece demasiado *fixe* para só termos a ela acesso através de um registo áudio (se bem que existam alguns vídeos, algo assombrosos, no YouTube). Ainda para mais quando a própria capa do álbum se apresenta tão exótico-misteriosa, com Batoh no meio, de preto, braços cruzados, cartola, médico da peste sem a sua máscara. Como em muitos álbuns gravados ao vivo, tínhamos que ter lá estado. Como quase nenhum álbum ao vivo, este só se entenderia a 100% tendo lá estado.

Ficamos por isso com um ligeiro amargo na boca por ainda não se ter inventado o teletransporte, por não se ter uma carteira recheadíssima para se poder ir ao Japão como quem apanha o metrô para os Olivais, ou por ainda não existir um meio de se consumir música que abarque todos os sentidos e não apenas a audição ("realidade virtual" não conta). Mas imagina, humanidade: se já se consegue criar música só ligando o cérebro a uma máquina, um dia bastará colocar um capacete com uma série de fios para testemunhar, sem se sair de casa, um espetáculo único (a não ser que nessa altura, dada a nossa propensão para a nostalgia, já não existam espetáculos únicos). "an evening with nehan" não é um disco essencial para os nossos ouvidos. Mas é um disco imprescindível para a imaginação.

Músicos: Masaki Batoh— eletrônica; Haruo Kondo— hurdy-gurdy, gaita de foles, cromorno; Futoshi Okano— percussão, gongos; Junzo Tateiwa— tabla, percussão; Satri— voz (“Brain Pulse Subject”).

Fonte: PAULO ANDRÉ CECÍLIO (jazz.pt)

 

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