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sábado, 29 de junho de 2024

JOHN BUTCHER - 13 FLUID FIXATIONS (Weight of Wax)

Nascido em Brighton e a vivendo em Londres, John Butcher (n. 1954) é um saxofonista cujo trabalho poliédrico varia entre a improvisação – com diferentes graus de liberdade –, as suas próprias composições, peças com múltiplas camadas sonoras, explorações com feedback, acústicas invulgares e momentos que não são propriamente concertos. O seu percurso como explorador sonoro a solo ou integrando formações em diferentes contextos e configurações instrumentais, tem uma característica perene que é o envolvimento com um sentido de lugar. O álbum de 2018 “Resonant Spaces”, por exemplo, é uma coleção de atuações gravadas durante uma digressão por locais invulgares na Escócia continental e nas ilhas Órcades. Após doutorar-se em cromodinâmica quântica, Butcher deixou o mundo acadêmico e concentrou-se na música. Desde então, colaborou com centenas de artistas como Derek Bailey, John Stevens (Spontaneous Music Ensemble), Rhodri Davies, Last Dream of the Morning (com John Edwards e Mark Sanders), Steve Beresford, Matthew Shipp, Gerry Hemingway, Chris Burn, Thermal (com Andy Moor e Thomas Lehn), Eddie Prévost, Okkyung Lee, John Russell, Phil Minton ou o luso RED Trio (Rodrigo Pinheiro, Hernâni Faustino e Gabriel Ferrandini), no magnífico “Summer Skyshift”, editado pela Clean Feed em 2016, entre uma miríade de outros. Butcher também gosta dos desafios colocados por encontros ocasionais – desde grandes grupos como o London Skyscraper de Butch Morris, o t'nonet de Fred van Hove, a WDR Sinfonieorchester e a EX Orkestra, até concertos em duo com Sophie Agnel, Joe McPhee, Keiji Haino, David Toop, Akira Sakata, Eli Keszler, John Tilbury, Fred Frith, Ute Kanngiesser e Otomo Yoshihide. As suas composições tanto podem ser para grandes formações no Huddersfield Contemporary Music Festival (HCMF), dois quartetos de saxofones, para o Futurist Intonarumori, Tarab Cuts (baseada em gravações árabes antigas), e para a London Sinfonietta e CEPRO (criada para ser apresentada um convento do século XVI na Cidade do México).

O trabalho mais recente de John Butcher é “Fluid Fixations”, uma encomenda do HCMF, editado pela Weight of Wax. Catorze músicos com diferentes personalidades são colocados numa estrutura construída a partir de instruções que orientam sub-formações e materiais sonoros, numa teia de relações em permanente mudança. A obra foi informada por aquilo a que Butcher apelida de «orquestração psicológica» – imaginar como pessoas específicas podem reagir a ideias particulares e à «companhia sônica» de que fazem parte. «Em geral, não sou apreciador de tocar livremente em grandes grupos, mas estou interessado numa espécie de paradoxo, como dar instruções a conjuntos maiores sem perder as coisas únicas que advêm da improvisação sem instruções», diz John Butcher à jazz.pt. “Fluid Fixations” é a continuação de uma abordagem que começou com o ensemble de Chris Burn nos anos 1990. Criar peças para determinados músicos e moldar as suas contribuições, como em “somethingtobesaid” (2008) e “Isola” (2012) serão outros exemplos. «Este novo trabalho», prossegue Butcher, «é para o maior grupo até agora e eu queria tentar manter a agilidade de um pequeno grupo a improvisar, mas também fazer com que acontecessem coisas que nunca sairiam de uma improvisação aberta.» Os desafios foram vários, nestes jogos entre ideias pré-definidas e a forma como os vários músicos reagem a tais estímulos. «Como fazer com que as personalidades sónicas dos músicos se sintam parte integrante das estruturas e das instruções. A obra deve soar como se estivesse a crescer à frente dos nossos ouvidos e não como algo que foi colado a partir de mundos diferentes», sublinha o saxofonista. «Escolhi músicos que têm realmente algo a dizer, mas ao mesmo tempo estão especialmente sintonizados com as sensibilidades da colaboração.» Butcher já tinha colaborado no passado com todos eles – num mapa de cumplicidades com múltiplas interseções, espécie de diagrama de Venn da música experimental, com diversas sobreposições. John Butcher acaba por ser o denominador comum: as pessoas do grupo não haviam tocado todas umas com as outras e há algumas que nem sequer se conheciam.

O termo “fluido” é particularmente bem aplicado a esta música; não há papéis fixos ou subordinações tradicionais. Tudo é subvertido – as formas sonoras são construídas, destruídas e reconstruídas, remetendo para os processos naturais em constante renovação. De uma circularidade natural onde os materiais são infinitamente reconfigurados, em diferentes tempos e espaços, e a distintas velocidades. «Os conceitos pré-determinados – como dieb13 a improvisar com gravações de vinil que fiz para a peça, ou a mudança de agrupamentos – podem ser organizados para gerar uma sensação de fluidez», explica o músico britânico. «Mas também queria trazer isso para as longas secções de tutti – colocando instruções internas que definissem e alterassem o curso, mas que ainda permitissem que a energia do grupo evoluísse de uma forma natural.» O resultado final acabou por surpreender o próprio: «Fiquei muito satisfeito por ter surgido tanta coisa que foi além do que eu poderia ter imaginado quando escrevi a peça.» A música construída em “Fluid Fixations” é particularmente imagética, sugerindo quadros em constante desenvolvimento. «Penso que isso aumenta a sensação de que a música se move através do tempo em vez de existir no tempo. Se quiser, muitas histórias estão a desenrolar-se – do abstrato ao cinematográfico», realça John Butcher. Algumas secções utilizam imagens, na sua maioria retiradas da natureza, para sugerir espaços onde os músicos podem afastar-se da partitura para criar os seus próprios mundos.

“Slipstream” abre com filigrana rítmica, até que os demais instrumentos se juntam, interagindo em vários patamares, individualmente ou em núcleos que vão coalescendo e ligando-se a outros, num jogo coletivo permanente de ação e reação. “Ice Needles” é dominada por sons inusitados, numa mescla ignota de organicidade e inputs eletrónicos, discernindo-se um violino e outros cordofones. A delicada massa sonora desenvolve-se paulatinamente. Os músicos convocam diferentes técnicas para alargar a paleta sonora. Em “Florid” instala-se uma atmosfera auroral, num crescendo de vida. “Oyashio” traz ecos de uma ancestralidade oriental. Os saxofones de Butcher adquirem algum protagonismo, com a eletrónica a fazer bastante mais do que preencher interstícios e a percussão sempre a aditar detalhes. “Cracked Mercury” é mais abstrata; as cordas tangidas com arco conferem gravidade, notas esparsas do piano, o saxofone soprano ziguezagueia, os sopros dialogam, numa massa sonora espessa em plena metamorfose. “At Risk of Enchantment” traz ambientes oníricos que de alguma forma servem de antecâmara para a surpreendente diversidade motívica de “Metastable Bloom”, uma das peças mais interessantes do álbum (escuta-se de novo o saxofone soprano de Butcher), a espaços assumindo contornos difusamente camerísticos. “Ersa” é de uma tensão latente que tanto pode representar o fim como o início de algo, num ciclo mágico e intemporal. A música de “Fluid Fixations”, cuja estrutura reflete e refrata as auras únicas destes músicos, é maravilhosa.

Faixas

1.Slipstream 06:01

2.Ice Needles 06:24

3.Florid 07:38

4.Oyashio 13:14

5.Cracked Mercury 05:28

6.At Risk of Enchantment 03:24

7.Metastable Bloom 12:19

8.Ersa 09:55

Músicos: dieb13— toca-discos; Liz Allbee— trompete; Sophie Agnel— piano; Hannah Marshall— violoncello; Angharad Davies— violino; Pat Thomas— eletrônicas; Mark Sanders— percussão; John Edwards— contrabaixo; Ståle Liavik Solberg— bateria; Matthias Müller— trombone; Isabelle Duthois— voz, clarinete; Pascal Niggenkemper— contrabaixo; Aleksander Kolkowski— viola stroh, serra musical; John Butcher— saxofones, gravações, composição.

Fonte: ANTÓNIO BRANCO (jazz.pt)

 

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