Old Mountain é um projeto de Pedro Branco, conhecido pelo
seu trabalho como guitarrista, e João Sousa, baterista. No ano-covid de 2020, a
dupla arriscou um golpe de asa ao publicar através da editora Nischo dois
álbuns em simultâneo, registros com características diferentes: em “Parallels”,
Branco e Sousa contaram com a companhia do trompete de Gonçalo Marques; no
disco “This Is Not Our Music” a dupla Branco/Sousa contou com o apoio de três
parceiros: Nicolo Ricci no saxofone, Mauro Cottone no contrabaixo e George
Durmitriu na viola (este apenas num tema). A característica definidora do grupo
seria o diálogo criativo entre guitarra e bateria, alimentada pelos diferentes
convidados; no disco com Marques o trompete destacava-se, no disco “This Is Not
Our Music” ouve-se um maior envolvimento coletivo.
Agora, a dupla resolveu aventurar-se por diferentes caminhos.
“Another State of Rhythm” tem edição da Clean Feed e há desde logo uma enorme
surpresa: Pedro Branco muda-se da guitarra (na qual é mestre) para o piano; na
bateria está João Sousa; e junta-se um leque de estimáveis convidados: Tony
Malaby no saxofone, João Hasselberg e Hernâni Faustino nos contrabaixos. O
disco reúne um total de nove temas, dos quais oito são originais de Branco e
Sousa, juntando-se uma reinterpretação de um tema de Leadbelly (“Goodnight,
Irene”); um dos temas, “Ballad for Paul” (em homenagem ao baterista Paul
Motian), já tinha sido registrado em duas diferentes versões nos discos
anteriores e afirma-se como “tema assinatura” do grupo.
Em antecipação ao disco, foi desvendado um single, “The
Sixth Commandment”, a revelar desde logo a toada do disco. Primeiro ouve-se o
piano de Branco em registo melancólico, acompanhado pela bateria de Sousa e
ampliado pela gravidade dos contrabaixos de Hasselberg e Faustino (distintos,
mas confluentes). E entra depois o saxofone de Mabaly, que começa por arrancar
tranquilamente, para depois descolar, arrastando consigo todo o grupo. Uma
primeira amostra que deixou as expectativas em alta para o resto do álbum.
Contudo, não é essa a primeira faixa do disco: o grupo
escolheu “Goodnight, Irene”, que dá um certo sentimento de época ao arranque do
álbum. Sem fazer uma desconstrução radical, o grupo trata de interpretar o tema
com personalidade, com as tropelias do piano de Branco ao centro. A mudança de
Branco para o piano não será uma surpresa absoluta; o duo Old Mountain já se
tinha apresentado ao vivo em apresentações intituladas “The Piano Sessions”.
Segundo a informação das notas para o disco, ao explorar o piano Pedro Branco
tenta seguir as pisadas dos seus ídolos Misha Mengelberg e Masabumi Kikuchi.
Mais do que a curiosidade de ouvirmos um reputado guitarrista a desbravar o
piano, vemos Branco a fazê-lo com assinalável competência, numa abordagem
angular, seguindo por vezes direções inesperadas – em contraste com a toada
mais lírica dos parceiros de grupo, numa combinação inusitada.
O diálogo instrumental é explorado em temas como “Giraldo”,
“All of Our Heroes”, “Blend In By Standing Out”, “Stick to the Plan” e
“Montanha” – bons originais, trabalhados em diferentes registros, sempre
revelando bom envolvimento coletivo. Um dos mais bonitos momentos do disco é
“Ballad for Paul” – a tal faixa-assinatura – num “quase solo” de piano, que
parte da composição (excelente tema) para uma interpretação sentida (e contida)
de Branco – o pianista mostra como, com poucos recursos, se pode exibir enorme
intensidade. E o piano está bem apoiado pelos sublinhados discretos de Faustino
e Hasselberg (e mais uns pozinhos de eletrônica).
Este disco tem mais uma curiosidade adicional, repescando um
conceito popular nos anos 90, na década dourada do CD, mas rara na atual era
das plataformas digitais: após o tema final, “Montanha”, e depois de momentos
de silêncio, surge uma “faixa escondida”, uma versão “reprise” de “Goodnight
Irene” – e se na primeira versão é o piano quem se destaca, aqui é o saxofone
mais expansivo de Malaby que se distingue. Uma nota sobre Tony Malaby:
saxofonista gigante do panorama internacional, Malaby sabe integrar-se no grupo
e não abafa nem se sobrepõe, é só “mais um”; o seu saxofone voa a grande
altura, mas sempre embrenhado na música do grupo, na dose certa, sem
exibicionismo.
A antecipação a este disco trazia várias questões: Um
guitarrista a tocar piano? Dois contrabaixos? Como seria a participação de Tony
Malaby? Este novo álbum estaria próximo das edições anteriores? A música
responde a tudo por si mesma, dissipa todas as dúvidas e questões. Assente no
envolvimento coletivo, esta é uma música contemporânea, fresca e rica,
conglomerando muitas vozes e ideias numa direção comum.
Faixas:
1.Goodnight,
Irene 05:42
2.The
Sixth Commandment 04:35
3.Giraldo
06:20
4.All of
Our Heroes 02:36
5.Ballad
For Paul 02:24
6.Blend
in By Standing Out 02:29
7.Stick
to the Plan 00:37
8.Freebus
07:00
9.Montanha 10:56
Músicos: Pedro Branco— piano; João Sousa— bateria; Tony Malaby— saxofone tenor; João Hasselberg— contrabaixo; Hernâni Faustino— contrabaixo.
Fonte: NUNO CATARINO (jazz.pt)
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