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sábado, 22 de junho de 2024

SONIC TENDER - ODD OBJECTS (Robalo Music)

O panorama português da música improvisada continua numa espantosa ebulição, com o surgimento quase diário de novos projetos e formações, mais ou menos estáveis, em diferentes contextos estilísticos e geometrias instrumentais. O trio lisboeta Sonic Tender – constituído pelo pianista Guilherme Aguiar, o guitarrista João Carreiro e o baterista João Valinho – é mais um, e notável, exemplo. Três músicos bastante ativos, cada qual com a sua personalidade própria (muitas são as circunstâncias que o demonstram) e aportando dimensões distintas à música que fazem em conjunto. São os próprios que se definem-se como um trio «dedicado a transmutar fontes sônicas num objeto sonoro unificado.» «O nosso objetivo principal», explicam à jazz.pt, «é unir os sons de cada instrumento, de modo a tornar-se indistinguível quem faz o quê.» »Pensamos no grupo como constituído por um só elemento pianoguitarrabateria, um só músico, uma só fonte sonora.»

João Carreiro e Guilherme Aguiar tocam em duo há vários anos. A sua intenção «sempre foi unir, fundir o som do piano e guitarra num só.» Com o propósito de expandir esta exploração, incluindo mais instrumentos, e alargar o espetro sonoro, mais tarde juntou-se-lhes João Valinho. «Estamos os três interessados em improvisação de um modo bastante horizontal, isto é, em termos de não hierarquização da participação dos nossos instrumentos em grupo», sublinham. O baterista realça o labor do trio na exploração da vertente tímbrica, tendo como ponto de partida aquilo que os outros dois já vinham fazendo enquanto duo: «Com a bateria deu-se, necessariamente, uma expansão de timbres, com uma atenção que se manteve no cruzamento destes, e com um novo elemento que, por sua vez, em função da sua versatilidade, cria igualmente uma incerteza na origem dos diversos sons produzidos.» «Interessa-me bastante a experiência acusmática. E considero forte e importante essa metáfora de uma procura muito ativa da diluição das fronteiras entre instrumentos», completa.

 “Odd Objects” é o registo de estreia do trio, gravado pelo experientíssimo André Fernandes nos estúdios Timbuktu e editado pela Robalo Music. O que aqui escutamos é o resultado de uma colaboração que espelha um trabalho de experimentação e evolução criativa. «É uma proposta que nos exige um exercício de escuta e interação bastante próprio, comparativamente a outros projetos que cada um de nós tem», dizem Guilherme Aguiar e João Carreiro. «Não é um disco idiomático apesar de conter elementos de diferentes linguagens, tem uma abordagem específica.» João Valinho realça o caráter distintivo da abordagem à improvisação aqui aplicada: «Houve uma concepção bastante específica relacionada com a articulação dos nossos diversos timbres e uma cadência na forma de tocar, aliada à instrumentação, como nos objetos utilizados na preparação dos instrumentos, que nos permite ainda maior detalhe e dinâmica.»

Surpreendentemente, embora os temas tenham uma componente forte de improvisação, são todos compostos. Não obstante, nos títulos de cada um, o fato de os verbos serem invariavelmente conjugados no gerúndio parece significar algo que está em progresso, em permanente construção. «Cada faixa tem um processo de criação único, umas surgem de ideias concretas para a junção pretendida dos instrumentos, outras de improvisações que posteriormente fixamos em formas específicas», explicam. «A escolha dos nomes teve o intuito de identificar as ações que estariam associadas a cada tema, para nós.» Estamos, pois, perante um modus operandi revelador de uma distribuição igualitária dos papéis dos vários instrumentos no todo sonoro. «Há momentos em que a presença de um dos instrumentos se destaca, mas não interessa desde que faça “sentido” sonoro para o conjunto total. Potencialmente contribuímos todos da mesma forma, no som total do conjunto.»

A música que escutamos é orgânica e natural, por vezes tranquila, outras vezes mais tensa, criando um universo sónico multirreferencial, demonstrativo, como sublinha João Valinho, das «diversas possibilidades de articulação de cada instrumento no processo musical, de forma unificada e consistente, naquilo que cada peça apresenta.» Na auroral “Judging” os instrumentos interagem num triálogo em pé de igualdade, a guitarra límpida, o piano a fornecer uma camada harmônica instável, a bateria prenhe de detalhes. Intui-se que o resultado poderá ser semelhante a performances anteriores, mas com a variabilidade injetada pela improvisação. Em “Pointing” tudo parece tornar-se mais nervoso; motivos telegráficos são explorados pelo piano, Carreiro assume um papel mais textural e Valinho alimenta uma carga que teima em não se dissipar. “Pulsing” é repetitivo e maquinal e “Descending I” serve de microintrodução para o exploratório “Growing”. “Speaking” envolve-nos para atmosfera tranquila, mas ao mesmo tempo inquietante, de uma tensão insidiosa, com as notas claras do piano, os dedilhados da guitarra acústica, as percussões sempre a acrescentar elementos de filigrana. “Descending II” é brevíssima antecâmara para a também não muito longa “Shivering”, escura e claustrofóbica. Em “Partying” é o piano que domina a cena com as suas angulosidades, parecendo convocar diferentes espaços e tempos, do stride ao free jazz. De repente, tudo serena e o piano deambula até convergir para o silêncio, culminando um álbum muito interessante e que importa desvendar nos seus mais insondáveis recantos.

Faixas

1.Judging 06:45

2.Pointing 08:38

3.Pulsing 04:42

4.Descending I 00:11

5.Growing 02:56

6.Speaking 05:56

7.Descending II 00:12

8.Shivering 01:14

9.Partying 04:55

 Músicos: Guilherme Aguiar— piano; João Carreiro— guitarra; João Valinho— bateria

Fonte: ANTÓNIO BRANCO (jazz.pt)

 

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