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sábado, 31 de agosto de 2024

AMIIRA - CURIOUS OBJECTS (Arjunamusic)

O segundo registo do trio Amiira é uma peça-chave do catálogo da Arjunamusic, editora do baterista e músico eletrônico Samuel Rohrer, que tem vindo a construir uma estética própria. Este coletivo composto pelo clarinetista e saxofonista Klaus Gesing, o baixista Björn Meyer e o próprio Rohrer, todos eles figuras de destaque da cena europeia, apresenta-nos uma música eletroacústica extremamente fluida, tão acessível quanto desafiante.

Fundada em 2012 pelo músico suíço Samuel Rohrer, hoje a residir em Portugal, a Arjunamusic tem-se afirmado como uma editora independente de referência no campo de uma certa música eletrônica e eletroacústica, com um pé na ambiência mais aventurosa e outro nas músicas de dança de pendor minimalista. Mas tem também editado algum pop experimental e música improvisada totalmente acústica, assumindo-se assim como uma editora versátil. Versátil, mas de forte coerência estética: aliás, ao invés, de procurarmos classificar os diferentes “gêneros” abarcados pelo seu catálogo, é mais pertinente observar que, com ele, Rohrer tem vindo a criar uma estética sui generis, o seu próprio universo sonoro. A sensibilidade que lhe reconhecemos enquanto um dos principais bateristas europeus atuais, com uma abordagem muito aberta e detalhada e uma profunda atenção ao som (mas também capaz de “groovar” intensamente quando a música assim o pede), é igualmente visível no seu trabalho de produtor discográfico: álbuns muito bem arquitetados, que se ouvem com prazer do princípio ao fim, com excelente qualidade de som, capas apelativas e um grafismo irrepreensível. Em suma, podemos dizer que o catálogo da Arjuna, no seu todo, corresponde à obra de Rohrer enquanto artista criativo: «um trabalho de composição a todos os níveis», como o próprio nos confessou em entrevista.

“Curious Objects”, segundo registo do trio Amiira (sucessor do seu álbum homónimo de 2016), que junta o baterista e produtor ao clarinetista e saxofonista Klaus Gesing e ao baixista Björn Meyer, ambos músicos bem conhecidos na cena europeia, é uma peça-chave desse mesmo catálogo. À partida, poderíamos perguntar, porventura intrigados: como pode a referida coerência estética verificar-se quando nele encontramos propostas tão díspares quanto, por exemplo, o trio do pianista João Paulo Esteves da Silva e as colaborações de Rohrer com o conhecido DJ Ricardo Villalobos? Ora, é justamente um álbum como este que vem, por assim dizer, resolver o quebra-cabeças. Por um lado, um pouco à semelhança do que acontece com o referido trio de piano, ouvimos aqui ambientes concisos, partes de um universo em que o lirismo e a exploração sônica coabitam; e embora, neste caso, existam várias composições predeterminadas (em geral, coletivas, à exceção de uma peça assinada apenas por Gesing e outra pela harpista e cantora de origem iraniana Asita Hamidi), intercaladas com algumas composições espontâneas, a música soa sempre tão fluida que acaba por não ser perceptível qualquer ruptura entre os elementos predeterminados (certas melodias, balanços, etc.) e aquilo que resulta da interação do trio em tempo real. Por outro, este é um álbum de música eletroacústica, com Gesing e Meyer a recorrer a diversos efeitos e Rohrer a servir-se, além da bateria, de sintetizadores modulares, e no qual se ouvem por vezes ecos das referidas músicas de dança associadas à estética da Arjuna, nomeadamente através dos subtis beats que vão aqui e ali surgindo no seio de uma toada geral que diríamos flutuante (Faixas como “Dare to Dance” ou “Ways of Paradox” são bons exemplos de como estas duas dimensões se fundem aqui).

As intervenções mais líricas de Gesing são contidas e sofisticadas, evitando sentimentalismos; e ouvimo-lo também numa abordagem mais experimental, como na breve, mas belíssima “Refraction of Glass”, momento de pura alquimia sônica e torção de elementos melódicos. Meyer é músico extraordinário: tem um dos mais belos sons de baixo elétrico que vamos encontrando por estes dias e uma elasticidade que muito contribui para a leveza do conjunto; é além disso, um exímio melodista, trocando por vezes de papéis com Gesing, num jogo delicioso em que, desafiando convenções, ouvimos momentaneamente o baixista enquanto frontman e o clarinetista a ocupar-se da estrutura (A este respeito, ouça-se “Concentric”, a faixa mais longa do álbum e quiçá o seu ápice, propelida por um intenso ostinato). E julgo que seria difícil tecer maior elogio a Rohrer do que afirmar que estamos aqui perante uma das suas mais inspiradas prestações em disco, exemplo perfeito das várias qualidades que acima lhe reconheci.

O resultado final tanto pode ser apreciado enquanto pano de fundo sonoro, muito agradável, como proporcionar uma experiência imersiva, de atenção máxima. Atenção essa que vai revelando o quão rica em detalhes é esta música: debaixo de uma superfície que diria geralmente acessível - aveludada (no melhor sentido possível) - escondem-se múltiplas camadas, microelementos em permanente fluxo. É como se a música se pautasse por dois movimentos simultâneos: por um lado, aquele que segue o fio condutor principal, o curso do rio, digamos; por outro, o movimento (interior) dos inúmeros organismos que nele habitam. Julgo ser em grande medida essa dualidade que, aliada ao som excepcional - tão nítido quanto envolvente - desse mestre que é o técnico Gérard de Haro, faz este um álbum tão belo e inebriante.

Faixas

1.Garden of Silence 06:01

2.Dare to Dance 04:39

3.On Second Thought 04:42

4.Ways of Paradox 03:48

5.Now That We Finally Met 04:43

6.Refraction 01:42

7.Concentric 07:57

8.Nostalgia 02:06

9.Gravity Inn 06:41

10.Where We Go From Here 05:30

Músicos: Klaus Gesing— clarinete baixo, saxofone soprano, efeitos; Björn Meyer— baixo elétrico, efeitos; Samuel Rohrer— bateria, sintetizadores modulares.

Fonte: JOÃO ESTEVES DA SILVA (jazz.pt)

 

 

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