As
violoncelistas Tomeka Reid, Isidora Edwards e Elisabeth Coudoux juntam-se para
um conjunto de improvisações livres que desafiam o perímetro sônico
convencional do instrumento.
O que pode
acontecer quando se juntam três violoncelistas, ainda por cima senhoras de
personalidades musicais vincadas? Muito. A configuração instrumental é sem
dúvida rara, mas estas três mulheres não hesitam em desbravar as suas
potencialidades sônicas. O consórcio internacional formado por Tomeka Reid,
Isidora Edwards e Elisabeth Coudoux – cada qual com um itinerário pessoal e
distinto, com diferentes referências e escolas – não têm necessariamente um
denominador comum, a não ser o desejo de correr riscos e de desafiar
estereótipos e convenções. As três embarcam numa viagem exploratória e concebem
em trio um álbum surpreendente, agora editado pela essencial Relative Pitch de
Kevin Reilly, selo independente baseado em Nova Iorque e especializado em
vanguardas várias, free jazz, improvisação livre e outras músicas experimentais
e cujo catálogo importa garimpar. Numa aritmética esdrúxula, o cômputo é
superior à soma das partes. Tendo crescido na periferia de Washington D.C., a
carreira musical de Tomeka Reid – a mais conhecida das três – só despontou
depois de se mudar para Chicago, em 2000. Descrita pelo The New York Times como
uma “nova fonte de alimentação do jazz”, a violoncelista e compositora emergiu
como um dos músicos mais originais, versáteis e curiosos da agitada comunidade
do jazz e música improvisada da cidade ventosa na última década. A sua sensibilidade
melódica distinta, sempre enraizada num apurado sentido de groove, tem
sido fundamental para muitas formações ao longo dos anos. O seu trabalho com
Nicole Mitchell e vários grupos relacionados com a Association for the
Advancement of Creative Musicians (AACM) – Roscoe Mitchell, Art Ensemble of
Chicago – revelou-se essencial para a construção da sua personalidade musical,
à frente do seu próprio quarteto e noutras formações em que participa.
O trabalho de
Isidora Edwards, nascida em Rancágua, Chile, graduada pela Universidade
Católica do Chile e atualmente doutoranda na Goldsmiths, Universidade de
Londres, radica na investigação do som, começando com o violoncelo acústico,
passando pela amplificação e, mais recentemente, por sintetizadores analógicos,
vozes e textos. A fricção, a pressão, os harmónicos, os golpes, a intervenção
com acessórios nas cordas, a procura de melodias, transformam o violoncelo num
corpo poético, em estreita relação com outros domínios artísticos. Integrou gruposs
como Ensamble Taller de Música Contemporánea U.C., o projeto Ensemble Nuevo do
Goethe Institut e o London Experimental Ensemble. Elisabeth Coudoux é uma
violoncelista alemã que labora nas interseções da improvisação livre, música
experimental, nova música contemporânea e jazz. Após estudos clássicos,
licenciou-se em jazz com Frank Gratkowski e Dieter Manderscheid na Universidade
de Música de Colônia. Para além dos seus próprios projetos (como o Emißatett,
para o qual compõe), faz parte de vários grupos e toca violoncelo em projetos
interdisciplinares com bailarinos, artistas visuais, poetas e performers.
Coudoux é membro de outras formações como Impakt, um coletivo de improvisação
livre em Colônia, do Peter Evans Köln Quartett, Beat the Odds, Electrified Island ou Kathrin Pechlof &
Strings.
«Manobramos
através de sons amadeirados criados por movimentos e decisões individuais. O
nosso violoncelo é livre de padrões clássicos, uma verdadeira conquista!»,
dizem Reid, Edwards e Coudoux a uma só voz. «Não é natural desenvolver a nossa
própria abordagem a este instrumento de alta cultura. Neste trio, há três
variações multicamadas de vontade e poder expressivo pessoal.» As três
violoncelistas encontraram-se em Wiesbaden, Alemanha, para gravar quatro
improvisações com várias camadas, cruzando as suas perspectivas únicas – sem
que as mesmas se diluam, antes se amplifiquem de modo sinérgico – com foco e
aguda capacidade expressiva. Numa geometria pitagórica que assume diferentes
configurações, os instrumentos são utilizados de forma total, as cordas, o
corpo, o arco, ampliando de modo significativo o espetro de possibilidades sônicas,
por vezes muito para lá da extrema do reconhecível. Peça longa – com quase 27
minutos de duração – “Could You Imagine” revela o nervoso ruminar dos três
cordofones, alternando entre passagens de travo mais camerístico com outras de
uma abstração intemporal. Por vezes, o silêncio imiscui-se de forma decisiva,
como quarto elemento. Noutras tudo se torna mais agitado e instável. Um laivo
melódico parece assomar aqui ou ali, para logo se esfumar ou transformar em
algo totalmente diferente. O caminho para o final faz-se num crescendo de
intensidade, até tudo se esvair num fio de som. Em “Lying Layers” espera-nos um
turbilhão de cordas, tangidas com uma urgência que não deixa pedra sobre pedra.
Esses níveis sonoros acabam por quase não se sobrepor, antes entrecruzam-se num
mosaico em permanente metamorfose, do frêmito avassalador ao silêncio pungente.
“Sound Behind the Voice” é, a espaços, mais sombria e minimalista, mas noutros
momentos emerge como que uma espiritualidade subliminar, que logo dá lugar a
uma multiplicidade de vozes dissonantes. Em “Shot Spaces” somos apanhados num
dédalo complexo, feito de linhas distintas que se aproximam, distanciam e
reaproximam, sem que saibamos o rumo que a peça irá tomar, com vários
itinerários possíveis, o que nos mantém os sentidos num alerta recompensador.
Faixas
1.could
you imagine 26:10
2.lying
layers 12:16
3.sound
behind the voice 16:24
4.shot
spaces 07:14
Músicos: Tomeka Reid— violoncelo; Isidora Edwards— violoncelo; Elisabeth Coudoux— violoncelo.
Fonte: ANTÔNIO
BRANCO (JAZZ.PT)
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