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sábado, 24 de agosto de 2024

TOMEKA REID/ISIDORA EDWARDS/ELISABETH COUDOUX - REID/EDWARDS/COUDOUX (Relative Pitch)

As violoncelistas Tomeka Reid, Isidora Edwards e Elisabeth Coudoux juntam-se para um conjunto de improvisações livres que desafiam o perímetro sônico convencional do instrumento.

O que pode acontecer quando se juntam três violoncelistas, ainda por cima senhoras de personalidades musicais vincadas? Muito. A configuração instrumental é sem dúvida rara, mas estas três mulheres não hesitam em desbravar as suas potencialidades sônicas. O consórcio internacional formado por Tomeka Reid, Isidora Edwards e Elisabeth Coudoux – cada qual com um itinerário pessoal e distinto, com diferentes referências e escolas – não têm necessariamente um denominador comum, a não ser o desejo de correr riscos e de desafiar estereótipos e convenções. As três embarcam numa viagem exploratória e concebem em trio um álbum surpreendente, agora editado pela essencial Relative Pitch de Kevin Reilly, selo independente baseado em Nova Iorque e especializado em vanguardas várias, free jazz, improvisação livre e outras músicas experimentais e cujo catálogo importa garimpar. Numa aritmética esdrúxula, o cômputo é superior à soma das partes. Tendo crescido na periferia de Washington D.C., a carreira musical de Tomeka Reid – a mais conhecida das três – só despontou depois de se mudar para Chicago, em 2000. Descrita pelo The New York Times como uma “nova fonte de alimentação do jazz”, a violoncelista e compositora emergiu como um dos músicos mais originais, versáteis e curiosos da agitada comunidade do jazz e música improvisada da cidade ventosa na última década. A sua sensibilidade melódica distinta, sempre enraizada num apurado sentido de groove, tem sido fundamental para muitas formações ao longo dos anos. O seu trabalho com Nicole Mitchell e vários grupos relacionados com a Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM) – Roscoe Mitchell, Art Ensemble of Chicago – revelou-se essencial para a construção da sua personalidade musical, à frente do seu próprio quarteto e noutras formações em que participa.

O trabalho de Isidora Edwards, nascida em Rancágua, Chile, graduada pela Universidade Católica do Chile e atualmente doutoranda na Goldsmiths, Universidade de Londres, radica na investigação do som, começando com o violoncelo acústico, passando pela amplificação e, mais recentemente, por sintetizadores analógicos, vozes e textos. A fricção, a pressão, os harmónicos, os golpes, a intervenção com acessórios nas cordas, a procura de melodias, transformam o violoncelo num corpo poético, em estreita relação com outros domínios artísticos. Integrou gruposs como Ensamble Taller de Música Contemporánea U.C., o projeto Ensemble Nuevo do Goethe Institut e o London Experimental Ensemble. Elisabeth Coudoux é uma violoncelista alemã que labora nas interseções da improvisação livre, música experimental, nova música contemporânea e jazz. Após estudos clássicos, licenciou-se em jazz com Frank Gratkowski e Dieter Manderscheid na Universidade de Música de Colônia. Para além dos seus próprios projetos (como o Emißatett, para o qual compõe), faz parte de vários grupos e toca violoncelo em projetos interdisciplinares com bailarinos, artistas visuais, poetas e performers. Coudoux é membro de outras formações como Impakt, um coletivo de improvisação livre em Colônia, do Peter Evans Köln Quartett, Beat the Odds,  Electrified Island ou Kathrin Pechlof & Strings.

«Manobramos através de sons amadeirados criados por movimentos e decisões individuais. O nosso violoncelo é livre de padrões clássicos, uma verdadeira conquista!», dizem Reid, Edwards e Coudoux a uma só voz. «Não é natural desenvolver a nossa própria abordagem a este instrumento de alta cultura. Neste trio, há três variações multicamadas de vontade e poder expressivo pessoal.» As três violoncelistas encontraram-se em Wiesbaden, Alemanha, para gravar quatro improvisações com várias camadas, cruzando as suas perspectivas únicas – sem que as mesmas se diluam, antes se amplifiquem de modo sinérgico – com foco e aguda capacidade expressiva. Numa geometria pitagórica que assume diferentes configurações, os instrumentos são utilizados de forma total, as cordas, o corpo, o arco, ampliando de modo significativo o espetro de possibilidades sônicas, por vezes muito para lá da extrema do reconhecível. Peça longa – com quase 27 minutos de duração – “Could You Imagine” revela o nervoso ruminar dos três cordofones, alternando entre passagens de travo mais camerístico com outras de uma abstração intemporal. Por vezes, o silêncio imiscui-se de forma decisiva, como quarto elemento. Noutras tudo se torna mais agitado e instável. Um laivo melódico parece assomar aqui ou ali, para logo se esfumar ou transformar em algo totalmente diferente. O caminho para o final faz-se num crescendo de intensidade, até tudo se esvair num fio de som. Em “Lying Layers” espera-nos um turbilhão de cordas, tangidas com uma urgência que não deixa pedra sobre pedra. Esses níveis sonoros acabam por quase não se sobrepor, antes entrecruzam-se num mosaico em permanente metamorfose, do frêmito avassalador ao silêncio pungente. “Sound Behind the Voice” é, a espaços, mais sombria e minimalista, mas noutros momentos emerge como que uma espiritualidade subliminar, que logo dá lugar a uma multiplicidade de vozes dissonantes. Em “Shot Spaces” somos apanhados num dédalo complexo, feito de linhas distintas que se aproximam, distanciam e reaproximam, sem que saibamos o rumo que a peça irá tomar, com vários itinerários possíveis, o que nos mantém os sentidos num alerta recompensador.

Faixas

1.could you imagine 26:10

2.lying layers 12:16

3.sound behind the voice 16:24

4.shot spaces 07:14

Músicos: Tomeka Reid— violoncelo; Isidora Edwards— violoncelo; Elisabeth Coudoux— violoncelo.

Fonte: ANTÔNIO BRANCO (JAZZ.PT)

 

 

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