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sábado, 5 de outubro de 2024

ROB MAZUREK – MILAN (Clean Feed)

Do trompetista Rob Mazurek (Exploding Star Orchestra, Chicago Underground Duo, São Paulo Underground e Black Cube SP) podemos sempre esperar pelo menos duas coisas: beleza e mudança. Mesmo em contextos muito radicais, as suas gravações e concertos têm estruturas claras e poesia.

Em “Milan” o “chicagoan” usa uma ideia que tem sido aflorada por vários compositores, mas fá-lo de uma forma diferente: usar o piano não apenas como instrumento musical, mas como um espaço acústico.

Esta ideia, como referimos, não é totalmente nova. A compositora Annea Lockwood, por exemplo, criou nos anos 60 criou a série “Piano Transplants” em que submete o piano em diversas situações e grava o resultado; em “Piano Burning” (1968), por exemplo, grava a música de um piano vertical a arder (o pianista de jazz Yōsuke Yamashita também tocou num piano a arder em 1973). “Piano Drowning” (1972) é o som produzido pela submersão (o que acontece debaixo de água é um tema a que voltará consistentemente) e em “Piano Planting” (1969-1970) o piano é compostado pela natureza.

Frank Zappa, em “Civilization Phase III” usa a ideia de gravar vocalizações de uma “civilização” que vive dentro de um piano. A ideia surge em 1967, e é usada em “Lumpy Gravy”, mas concretiza-se em pleno em 1991.

Em “Milan” o piano também é um espaço acústico que Mazurek usa para produzir vários sons, com instrumentos ou outros dispositivos. Desde o trompete até ao próprio piano. Apesar do disco se ouvir como uma só peça arrojada (foi gravada e transmitida no programa de rádio italiano “Jazz Anhology” na Radio Popolare de Milão), está dividido em oito partes, que de fato são oito momentos musicais distintos, cada um princípio, meio e fim.

A música soa a um cerimonial luminoso. Na verdade é um solo, mas com tantos instrumentos a serem tocados ao mesmo tempo soa a um grupo de vários músicos unidos telepaticamente. As improvisações têm frequentemente um passo lento, como se tivessem a incoerência melodiosa e bela do canto dos pássaros.

Ouvem-se percussões (egg shakers), sinos, flauta, voz... a reverberar no piano (com o pedal permanentemente premido para aumentar a reflexão). Por vezes a música aproxima-se de alguns compositores que usam o espaço entre as notas como matéria-prima - ex: Giacinto Scelsi ou Morton Feldman; noutras vezes sentimo-nos mais pertos do jazz ritualista africano do Art Ensemble of Chicago ou de Don Cherry com Ed Blackwell.

O disco começa rarefeito com os sons pontuais espaçados de um tambor (balde de plástico?). Acaba saturado com a rítmica de uma eletrônica desconjuntada, por onde entram gravações flautas e vários sons não identificáveis. Entre estes dois polos está um mundo de sons bem organizados e sempre surpreendentes. “Milan” é um disco de Mazurek: quer isto dizer que tem música que cruza fronteiras, incorpora com audácia várias músicas, está aberto e atento aos sons e entusiasma o ouvinte pela beleza e arrojo. Entre o profundamente pessoal - quase religioso - e uma música que constrói comunidades de partilha, a música deste novo disco ouve-se em “repeat”.

Faixas

1. Magic Yellow Bucket (for Marcello Lorrai) 05:20

2.Bar Basso (for Corrado Beldi) 08:13

3. Sbagliato 05:42

4. Collectors of Bones (for Fabio Poletti) 06:31

5. Moss Covered Hips 05:22

 6.Sun Dials Gestations (for Massimo De Carlo) 02:35

 7.In Particles Deceptive Light 09:58

 8.Collimated and Trestled 09:25

Músicos: Rob Mazurek— piano, trompete, percussões, sampler, Magic Yellow Bucket, sinos, shakers, flautas, voz

Fonte: Gonçalo Falcão

 

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