A mais perfeita das máquinas do tempo, sem destinos errantes
e sem pousos abruptos, “The Carnegie Hall Concert” transporta-nos para uma
época em que os artistas levavam a sua arte a sério, quando era sacrossanta. A
harpa de Alice Coltrane vem como a atração da sereia dos anjos, como um
missionário chamando todos para parar seu trabalho. Parece dizer, " Venha
ouvir, venha se perguntar, venha descansar, não tenha medo".
E Coltrane não foi, nunca. Aqui estava ela com seus pares
mais confiáveis: Pharoah Sanders nos saxofones tenor e soprano, flauta, pífano,
percussão, Archie Shepp no sax soprano e percussão com os baixistas Jimmy
Garrison e Cecil McBee no Carnegie Hall, em 21 Fevereiro de 1971. “Journey in
Satchidananda (Impulse, 1971)” tinha sido lançado, definindo o triunfo da
viúva, a ascensão do espírito à luz.
Extraído do mix de referência de duas faixas (as quatro
faixas principais foram inexplicavelmente perdidas na cruel passagem do tempo),”The
Carnegie Hall Concert” evolui ao longo da noite em seu próprio ritmo pastoral,
meditativo, corajoso e, em última análise, espiritual. Com uma graça arduamente
conquistada que eles estão mais do que dispostos a compartilhar para o
benefício de todos, o conjunto – incluindo os bateristas Ed Blackwell e
Clifford Jarvis, Tulsi na tambura (NT: é um instrumento
musical de origem indiana composto por quatro cordas dedilhadas e braço sem
trastos, que costuma acompanhar a música vocal, emitindo um bordão para
sustentar a tonalidade nos silêncios) e Kumar Kramer no harmônio –
testemunham a presença de um poder superior.
É momento coletivo de clareza que a maioria dos humanos mal
consegue vislumbrar enquanto a vida avança. Misticamente, um respingo de pratos
na abertura envia a expansiva "Journey in Satchidananda" para as
brumas da parte alta da cidade. Garrison e McBee estabelece o ritmo e um senso de
revelação varre a cena. Os floreios alucinógenos de Coltrane abrem o portão da
liberdade para Sanders e Shepp. É como um transe e tira o estresse. Relaxe,
ouça e se eleve.
Em nuvens de harpa, harmônio e tambura,
"Shiva-Loka" encanta. Coltrane então passa para o piano e o telhado
está aberto, o grande céu além. Além disso estão “África” e “Leo”, duas das
mais épicas obras-primas sagradas de John Coltrane. O fogo exultante purifica a
alma. Sanders e Shepp, no sax tenor, implora e voa alto com um som muito humano
ao qual se dá voz em momentos de vulnerabilidade e triunfo. "Leo" dobra
e aposta naquele triunfo. É tanto um ataque total aos sentidos como
"África" fez antes. É Coltrane e o seu coro rancoroso tirando-nos
do nosso estupor, libertando-nos da expectativa, convocando do seu coração.
Faixas: Journey
in Satchidananda; Shiva-Loka; Africa; Leo.
Músicos: Alice Coltrane (piano, harpa, percussão); Pharoah
Sanders (saxofones tenor e soprano, flauta, pífano, percussão); Archie Shepp
(saxofone soprano, percussão); Jimmy Garrison (baixo acústico); Cecil McBee
(baixo); Tulsi (tambura]); Kumar Kramer (harmônio [NT:
é um instrumento musical de teclas, cujo funcionamento é muito similar ao de um
órgão, mas sem os tubos que caracterizam este último]); Ed Blackwell
(bateria); Clifford Jarvis (bateria).
Fonte: Mike
Jurkovic (AllAboutJazz)
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