Para início
de conversa, Ricardo Pinheiro (nascido em 1977) é de uma clareza meridiana: «A
música é a arte de comunicar ideias e partilhar visões estéticas e emocionais
sobre o mundo e o intangível.» E os resultados dessa comunicação serão tanto
mais efetivos quando existe uma ligação emocional com os interlocutores, pode
concluir-se. No caso da música, e do jazz em particular, onde se gere o
irrepetível, o agora que não volta, a interação é pilar central de qualquer
construção. O guitarrista assume que passar por este processo com músicos do
calibre de Chris Cheek, Jorge Rossy e Michael Formanek é algo importante, não
só porque cresceu a escutar a sua música, mas sobretudo pela facilidade de
estar e trabalhar com eles. “Tone Stories”, com selo da Fresh Sound New Talent
de Jordi Pujol é, por esta razão, um disco particularmente especial para si,
«não só porque reúne no mesmo grupo três músicos que muito me têm influenciado
ao longo dos anos, mas também porque me possibilitou partilhar ideias musicais
com eles, tendo como pano de fundo algumas das mais bonitas canções que
integram o repertório essencial do jazz», diz o guitarrista à jazz.pt.
O novo álbum
marca o reencontro de Pinheiro com Chris Cheek – que conheceu pessoalmente em
2008, ano em que gravou o seu primeiro disco para a Fresh Sound, “Open Letter”,
com Mário Laginha, Demian Cabaud e Alexandre Frazão –, notável saxofonista com
quem colaborou no passado e um dos que mais o marcaram. Já o encontro com Jorge
Rossy e Michael Formanek é uma novidade, apesar de serem músicos que admira e
que o têm inspirado ao longo dos anos. Em 2023, Cheek veio a Portugal para
alguns concertos, um dos quais com o quinteto de Pinheiro, no Festival de Jazz
do Barreiro, ocasião aproveitada também para irem para estúdio. «Pensei então
em juntar a este projeto uma secção rítmica que dispensa apresentações», refere
o guitarrista. «Tive a oportunidade de propor ao Jorge e ao Michael
participarem na gravação e eles aceitaram prontamente, manifestando uma enorme
generosidade e uma total disponibilidade para criar e partilhar ideias e
experiências musicais. Estou muito contente com a forma como os músicos se
entrosaram em estúdio e criaram música de uma forma espontânea e natural.»
Com uma
atividade reconhecidamente multímoda, como guitarrista, compositor, professor e
investigador, Ricardo Pinheiro é uma destacada figura do jazz nacional. Tem
vertido a elegância e maturidade da sua abordagem em álbuns como “Open Letter”
(2010), “Song Form” (2013) – na saudosa Tone of a Pitch – com o New West
Quartet “East and West” (2019), “LAB” (2020) – com Miguel Amado, Tomás Marques
e Diogo Alexandre –, “Caruma” (2020), com os vocalistas Mônica Salmaso e Theo
Bleckmann, “Turn Out The Stars: The Music of Bill Evans” e “Dança do Pólen” (a
estreia a solo), ambos de 2021, ou nos gêmeos “Momentum” e “Gestures”, de 2022.
A ligação de Pinheiro ao American Songbook e aos standards do
jazz vem dos alvores do seu percurso. (Recordar que Ricardo Pinheiro estudou em
profundidade o contexto das jam sessions, ocasiões em que este
repertório surge amiúde.) Apesar de muitas vezes compor música original, volta
sempre aos standards como fonte de inspiração, qual manancial inexaurível
de melodias e harmonias, sempre aptas para nutrir a improvisação. «Há sempre
novas formas de interpretar esta música», salienta o guitarrista. «O repertório
de standards é constituído por peças muito bem escritas, que despertam a
curiosidade dos improvisadores mais atentos.» Se estas peças fazem parte da sua
escuta musical e prática instrumental regular, contar com estes músicos para em
conjunto as explorarem um fator-extra de motivação.
Ricardo
Pinheiro sublinha que para além das qualidades destas peças «o impulso
narrativo destes músicos proporcionaram o ambiente certo para conceitualizar e
desenvolver as paisagens e histórias aqui apresentadas.» Para “Tone Stories”
escolheu alguns dos standards que mais o marcaram, com a diversidade
composicional a juntar-se à equação. Na sua maioria, foram gravados por músicos
de referência e em alguns dos seus discos favoritos. «Sinto vontade de
acrescentar algo de pessoal àquilo que tantos músicos já “disseram” a respeito
destas melodias e harmonias. É um desafio que quero e gosto de correr, e estou
satisfeito com o resultado.» Nesta jornada, e apesar da responsabilidade de
tentar acrescentar algo àquilo que grandes nomes da história do jazz já
fizeram, o grupo logra os seus intentos de forma exemplar, tratando a
matéria-prima de modo “clássico”. «Estava certo de que estes três músicos iriam
abrir novas janelas de possibilidades e que me iriam inspirar e ajudar a
construir novas propostas musicais em torno deste repertório, sem desfigurar as
peças», refere o guitarrista. Construídos no momento, à medida que gravavam, a
partir de pequenas conversas entre tomadas, os arranjos são sóbrios e
elegantes, variados em termos de andamento e de ambiente, mantendo a traça
original das peças, mas ao mesmo tempo iluminando-as com uma nova luz.
“When You
Wish Upon A Star” vem num andamento médio, com a sua melodia intemporal exposta
de modo elegante, dela partindo solos de Cheek, em articulação apertada com a
guitarra, que lhe fornece sólida base harmônica, e com a dupla rítmica a deixar
claro que também tem muito por dizer (escutamos aqui o primeiro dos ótimos
solos de Formanek), até à reexposição final. Mais dinâmica e ritmicamente
vibrante é a leitura de “De Dah”, em que um solo de Rossy serve como rampa de
lançamento. “The Peacocks” é uma belíssima balada, com Cheek notável no
saxofone soprano, ornamentando com graça a linha melódica. Novo bom solo da
guitarra, que se move aqui como peixe na água. A leveza do toque de Rossy não
cessa de surpreender. “Fried Bananas”, de Dexter Gordon, é rápida e frenética,
de melodia exposta em uníssono por guitarra e saxofone, que depois se lançam em
animados jogos de parada e resposta. (E outro solo de grande nível do
contrabaixista.) E é ele (aliado à delicadeza dos címbalos de Rossy) quem
serenamente introduz “Weaver of Dreams”, com o saxofone fumarento de Cheek e a
guitarra sempre límpida de Pinheiro. Na sucinta “When Will the Blues Leave”
regressa a articulação fluida entre guitarra e saxofone, de um suíngue vivo,
mas é o solo do baterista que realmente funda memórias. “If You Could See Me
Now” é outra balada clássica, maravilhosamente servida com todos os seus
pertences. Normalmente interpretada como balada, “Soul Eyes” traz uma pulsação
ao mesmo tempo mais intensa e requintada, de travo latino. A tranquilidade
regressa com “Blame It On My Youth”, na qual Pinheiro explora a sua veia
melódica, Rossy trata o seu instrumento com extremo recato e Formanek
oferece-nos nova lição de sobriedade. O álbum encerra com o tom otimista de
“There Is No Greater Love”, tema composto em 1936 por Isham Jones e que soa
fresco como sempre. Servido por quatro mestres, escutar “Tone Stories” é um
verdadeiro deleite.
Faixas
1 When
You Wish Upon a Star 4:45 ·
2 De Dah 4:28 ·
3 The
Peacocks 7:08 ·
4 Fried
Bananas 3:38 ·
5 Weaver
of Dreams 4:36 ·
6 When
Will the Blues Leave? 2:02 ·
7 If You
Could See Me Now 7:34 ·
8 Soul
Eyes 4:24 ·
9 Blame
It on My Youth 5:20
10 There
Is No Greater Love 3:45
Músicos: Ricardo
Pinheiro— guitarra; Chris Cheek— saxofones tenor e soprano; Michael Formanek—
contrabaixo; Jorge Rossy— bateria
Fonte: António
Branco (jazz.pt)
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