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sábado, 18 de janeiro de 2025

RICARDO PINHEIRO - TONE STORIES (Fresh Sound New Talent)

Para início de conversa, Ricardo Pinheiro (nascido em 1977) é de uma clareza meridiana: «A música é a arte de comunicar ideias e partilhar visões estéticas e emocionais sobre o mundo e o intangível.» E os resultados dessa comunicação serão tanto mais efetivos quando existe uma ligação emocional com os interlocutores, pode concluir-se. No caso da música, e do jazz em particular, onde se gere o irrepetível, o agora que não volta, a interação é pilar central de qualquer construção. O guitarrista assume que passar por este processo com músicos do calibre de Chris Cheek, Jorge Rossy e Michael Formanek é algo importante, não só porque cresceu a escutar a sua música, mas sobretudo pela facilidade de estar e trabalhar com eles. “Tone Stories”, com selo da Fresh Sound New Talent de Jordi Pujol é, por esta razão, um disco particularmente especial para si, «não só porque reúne no mesmo grupo três músicos que muito me têm influenciado ao longo dos anos, mas também porque me possibilitou partilhar ideias musicais com eles, tendo como pano de fundo algumas das mais bonitas canções que integram o repertório essencial do jazz», diz o guitarrista à jazz.pt.

O novo álbum marca o reencontro de Pinheiro com Chris Cheek – que conheceu pessoalmente em 2008, ano em que gravou o seu primeiro disco para a Fresh Sound, “Open Letter”, com Mário Laginha, Demian Cabaud e Alexandre Frazão –, notável saxofonista com quem colaborou no passado e um dos que mais o marcaram. Já o encontro com Jorge Rossy e Michael Formanek é uma novidade, apesar de serem músicos que admira e que o têm inspirado ao longo dos anos. Em 2023, Cheek veio a Portugal para alguns concertos, um dos quais com o quinteto de Pinheiro, no Festival de Jazz do Barreiro, ocasião aproveitada também para irem para estúdio. «Pensei então em juntar a este projeto uma secção rítmica que dispensa apresentações», refere o guitarrista. «Tive a oportunidade de propor ao Jorge e ao Michael participarem na gravação e eles aceitaram prontamente, manifestando uma enorme generosidade e uma total disponibilidade para criar e partilhar ideias e experiências musicais. Estou muito contente com a forma como os músicos se entrosaram em estúdio e criaram música de uma forma espontânea e natural.»

Com uma atividade reconhecidamente multímoda, como guitarrista, compositor, professor e investigador, Ricardo Pinheiro é uma destacada figura do jazz nacional. Tem vertido a elegância e maturidade da sua abordagem em álbuns como “Open Letter” (2010), “Song Form” (2013) – na saudosa Tone of a Pitch – com o New West Quartet “East and West” (2019), “LAB” (2020) – com Miguel Amado, Tomás Marques e Diogo Alexandre –, “Caruma” (2020), com os vocalistas Mônica Salmaso e Theo Bleckmann, “Turn Out The Stars: The Music of Bill Evans” e “Dança do Pólen” (a estreia a solo), ambos de 2021, ou nos gêmeos “Momentum” e “Gestures”, de 2022. A ligação de Pinheiro ao American Songbook e aos standards do jazz vem dos alvores do seu percurso. (Recordar que Ricardo Pinheiro estudou em profundidade o contexto das jam sessions, ocasiões em que este repertório surge amiúde.) Apesar de muitas vezes compor música original, volta sempre aos standards como fonte de inspiração, qual manancial inexaurível de melodias e harmonias, sempre aptas para nutrir a improvisação. «Há sempre novas formas de interpretar esta música», salienta o guitarrista. «O repertório de standards é constituído por peças muito bem escritas, que despertam a curiosidade dos improvisadores mais atentos.» Se estas peças fazem parte da sua escuta musical e prática instrumental regular, contar com estes músicos para em conjunto as explorarem um fator-extra de motivação.

Ricardo Pinheiro sublinha que para além das qualidades destas peças «o impulso narrativo destes músicos proporcionaram o ambiente certo para conceitualizar e desenvolver as paisagens e histórias aqui apresentadas.» Para “Tone Stories” escolheu alguns dos standards que mais o marcaram, com a diversidade composicional a juntar-se à equação. Na sua maioria, foram gravados por músicos de referência e em alguns dos seus discos favoritos. «Sinto vontade de acrescentar algo de pessoal àquilo que tantos músicos já “disseram” a respeito destas melodias e harmonias. É um desafio que quero e gosto de correr, e estou satisfeito com o resultado.» Nesta jornada, e apesar da responsabilidade de tentar acrescentar algo àquilo que grandes nomes da história do jazz já fizeram, o grupo logra os seus intentos de forma exemplar, tratando a matéria-prima de modo “clássico”. «Estava certo de que estes três músicos iriam abrir novas janelas de possibilidades e que me iriam inspirar e ajudar a construir novas propostas musicais em torno deste repertório, sem desfigurar as peças», refere o guitarrista. Construídos no momento, à medida que gravavam, a partir de pequenas conversas entre tomadas, os arranjos são sóbrios e elegantes, variados em termos de andamento e de ambiente, mantendo a traça original das peças, mas ao mesmo tempo iluminando-as com uma nova luz.

“When You Wish Upon A Star” vem num andamento médio, com a sua melodia intemporal exposta de modo elegante, dela partindo solos de Cheek, em articulação apertada com a guitarra, que lhe fornece sólida base harmônica, e com a dupla rítmica a deixar claro que também tem muito por dizer (escutamos aqui o primeiro dos ótimos solos de Formanek), até à reexposição final. Mais dinâmica e ritmicamente vibrante é a leitura de “De Dah”, em que um solo de Rossy serve como rampa de lançamento. “The Peacocks” é uma belíssima balada, com Cheek notável no saxofone soprano, ornamentando com graça a linha melódica. Novo bom solo da guitarra, que se move aqui como peixe na água. A leveza do toque de Rossy não cessa de surpreender. “Fried Bananas”, de Dexter Gordon, é rápida e frenética, de melodia exposta em uníssono por guitarra e saxofone, que depois se lançam em animados jogos de parada e resposta. (E outro solo de grande nível do contrabaixista.) E é ele (aliado à delicadeza dos címbalos de Rossy) quem serenamente introduz “Weaver of Dreams”, com o saxofone fumarento de Cheek e a guitarra sempre límpida de Pinheiro. Na sucinta “When Will the Blues Leave” regressa a articulação fluida entre guitarra e saxofone, de um suíngue vivo, mas é o solo do baterista que realmente funda memórias. “If You Could See Me Now” é outra balada clássica, maravilhosamente servida com todos os seus pertences. Normalmente interpretada como balada, “Soul Eyes” traz uma pulsação ao mesmo tempo mais intensa e requintada, de travo latino. A tranquilidade regressa com “Blame It On My Youth”, na qual Pinheiro explora a sua veia melódica, Rossy trata o seu instrumento com extremo recato e Formanek oferece-nos nova lição de sobriedade. O álbum encerra com o tom otimista de “There Is No Greater Love”, tema composto em 1936 por Isham Jones e que soa fresco como sempre. Servido por quatro mestres, escutar “Tone Stories” é um verdadeiro deleite.

Faixas

1 When You Wish Upon a Star 4:45 ·

2 De Dah 4:28 ·

3 The Peacocks 7:08 ·

4 Fried Bananas 3:38 ·

5 Weaver of Dreams 4:36 ·

6 When Will the Blues Leave? 2:02 ·

7 If You Could See Me Now 7:34 ·

8 Soul Eyes 4:24 ·

9 Blame It on My Youth 5:20

10 There Is No Greater Love 3:45

Músicos: Ricardo Pinheiro— guitarra; Chris Cheek— saxofones tenor e soprano; Michael Formanek— contrabaixo; Jorge Rossy— bateria

Fonte: António Branco (jazz.pt)

 

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