Como instrumentista e compositora, Jessica Pavone (Nascida em
1976) tem prosseguido uma abordagem tátil e sensorial à música, como um meio
baseado em vibrações, «Inspirada por processos que centram a intuição e o
instinto, a minha música canaliza todas estas ideias em composições,
concentrando-se na forma como a música é sentida quando tocada e ouvida e
explorando a forma como as vibrações sónicas afetam o corpo, tecendo as minhas
experiências como instrumentista em obras que transcendem o tempo», explica
Pavone em declaração publicada na sua página na internet. O trabalho meticuloso
e exigente que vem desenvolvendo tem sido vertido em álbuns como o soberbo
“Lost and Found” (2020), “Lull” (2021) – para octeto de cordas e solistas
convidados, o trompetista Nate Wooley e o percussionista Brian Chase -, “… of
Late” (2022), “When No One Around You Is There But Nowhere To Be Found” (o seu
quarto álbum a solo com música para viola, 2022), “Images of One” – com o
contrabaixista Tristan Kasten-Krause – ou “Clamor”, para sexteto de cordas e
solistas, ambos editados em 2023. Jessica Pavone interpretou ainda música
original de William Parker, Henry Threadgill, Matana Roberts, Wadada Leo Smith,
Elliott Sharp e Taylor Ho Bynum, apenas para mencionar alguns. De 2005 a 2012,
andou em digressões regulares com o Sexteto e o 12+1tet de Anthony Braxton,
estando presente na discografia do compositor nessa fase.
De 2012 para cá, a violista/violinista estadunidense tem
vindo a erigir um relevante corpo de trabalho, sobretudo para viola solo e para
o seu String Ensemble, no qual é acompanhada por Abby Swidler no violino e na
viola e Aimée Niemann no violino. «O meu trabalho baseia-se e desenvolve a
notação musical tradicional e as técnicas de improvisação, alternando entre
abordagens baseadas na métrica e na duração e instruções improvisadas e
notadas», refere. «Dando prioridade a um estilo intencionalmente fluido que
emprega técnicas indeterminadas, as partituras oferecem aos músicos a
possibilidade de esculpir aspectos das peças», acrescenta a violista. “Reverse
Bloom” é o mais recente fruto discográfico do J. Pavone String Ensemble,
novamente com selo da Astral Spirits de Nate Cross, editora baseada em Austin,
Texas, focada no free jazz e na música experimental, cujo catálogo importa
garimpar. Também neste registro escutamos música que radica nas características
peculiares de cada músico para se abrir à difícil arte da improvisação
coletiva. «Através dos espaços abertos, os músicos recriam as composições de
cada vez que atuam, promovendo uma relação colaborativa de resposta a uma
partitura e uns aos outros», sublinha Pavone. «A abordagem de conjunto
centra-se numa visão de improvisação coletiva que enfatiza um tapete tecido em
colaboração, em contraste com o método de improvisação tradicional que valoriza
o espetáculo do solista.»
Nas notas para o álbum, de “Reverse Bloom”, Gabriel Jermaine
Vanlandingham-Dunn refere-se à noite de 13 de julho de 2023, quando se deslocou
ao clube The Stone, meca da improvisação nova-iorquina, para escutar ao vivo o
J. Pavone String Ensemble pela terceira vez. Conta ele que depois de terminada
a primeira parte, a líder dirigiu-se ao público presente durante alguns
minutos. Explicou que o grupo estava prestes a estrear as peças que vêm agora a
luz do dia em “Reverse Bloom”. «Isto é como estar com estranhos», disse Pavone
então entre sorrisos. À medida que as três instrumentistas desvendavam o
material, nem tudo se terá tornado mais claro. Essa sensação de permanente
incerteza também nos assalta ao escutar o registro desse material em estúdio. O
que neste caso só pode ser bom. A peça-título, que abre o álbum, começa com
acordes lentos, arrastados, de uma solenidade que nos interpela acerca do
espaço e do tempo em que estamos. À medida que a peça se desenvolve torna-se
mais nervosa, de uma tensão latente, que persiste em não se resolver, até se instalar
uma atmosfera escura, lamentosa. “Three Trees” mergulha-nos num ambiente
misterioso, inquietante, feito de notas sobrepostas num crescendo de suspense,
desafiado por pequenos detalhes e inflexões mais ou menos sutis; após uma
paragem súbita, tudo se torna etéreo e planante. “Obstructed Current”
surpreende desde logo pelo vigor com que nos esmurra sucessivamente os neurônios;
seguem-se breves momentos de alguma acalmia sônica, com as cordas em permanente
movimento, um vaivém ao mesmo tempo cerebral e físico, em linhas que se
entrecruzam e contrastam, até se dissiparem em silêncio. “Embers Slumber”
começa em pizzicato, introduzindo novamente um clima camerístico de uma beleza
pungente, em movimentos com arco que se sucedem sem grandes sobressaltos; emergem
fragmentos melódicos maravilhosos, que parecem pretender que nos reconciliemos
com o mundo, alimentando um processo de busca interior, de regressão
introspetiva, tal como parece inferir-se do título do álbum.
“Reverse Bloom” reclama audições sucessivas e atentas, de
modo a captarmos toda a sua riqueza.
Faixas
1.Reverse
Bloom 10:18
2.Three
Trees 07:45
3.Obstructed Current 10:57
4.Embers Slumber 10:00
Fonte: António Branco (jazz.pt)
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