O
curiosamente intitulado álbum de Ada Rovatti, “The Hidden World of Piloo”, tem
um conto anexado (e uma cauda). Piloo é um nome carinhoso que o pai de
Rovatti a chama desde a infância, após conhecer um "travesso" gato em
um livro infantil favorito. Ela o adotou também para a gravadora dela (Piloo
Records). Rovatti cresceu em Mortara, Itália, fora de Milão, em uma casa
incomum. Sua mãe era jogadora semiprofissional de softball e seu pai geólogo, caçador
profissional e fornecedor de carros. A família dispendeu os feriados do verão ouvindo
ópera ao vivo e música clássica na Toscana, próximo onde Puccini viveu.
Rovatti descobriu
o pop inicial britânico via rádio. Seu irmão apresentou a ela o soul
estadunidense, blues e R&B, persuadindo-a a aprender saxofone quando ela
tinha 16 anos. Ela tomou lições de música em sua cidade natal, de um graduado
local da Berklee. Isso a levou a ganhar uma bolsa de estudos na escola de jazz
de Boston um pouco mais tarde. O financiamento da escola era curto e as
mensalidades altas, assim ela voltou para a Itália, onde ela e seu marido,
Randy Brecker, conheceram-se por acaso e tornaram-se "vítimas de amor à
primeira vista".
Por que "mundo
oculto"? Rovatti gravou seu primeiro álbum como líder em 2002 (“For Rent,
Apria Records”) e tem lançado álbuns com seu nome a cada poucos anos desde então.
Antes de “The Hidden World of Piloo” veio “Brecker Plays Rovatti: Sacred Bond
(Piloo Records, 2019”), um caso de família lançado pouco antes da pandemia nos atingir.
Ela não se sentiu compelida a produzir lançamentos anuais para documentar sua
carreira, embora ela tenha trabalhado continuamente. Dado o grau de trabalho
evidente na presente versão, isto faz senso. Este não é um EP apenas para
download. Ela reuniu um elenco estelar de artistas convidados para o projeto,
incluindo os vocalistas Kurt Elling, Fay Claassen, Niki Haris e Alma Naidu,
todos apresentando performances de primeira linha. As composições, letras e
arranjos são todos dela. O álbum está disponível em um LP duplo ou CD, acompanhado
por um livreto brilhante de 16 páginas com letras e fotografias tiradas por
Rovatti. Ela até desenhou e costurou o incrível terno de brocado que ela usa na
foto da capa.
As
composições e arranjos bem elaborados de Rovatti tendem a cair no lado
funk-soul-R&B do jazz, enfatizando balanços dançantes e solos sólidos de
membros de seu grupo principal: ela mesma, Brecker, Simon Oslender no órgão e
piano, o baixista Claus Fischer, o baterista Tim Dudek e o percussionista Café
Da Silva, com—dentre outros notáveis artistas convidados—guitarristas Tom
Guarna, Barry Finnerty, Dean Brown, Guilherme Monteiro e Larry Saltzman. Seus
distintivamente arranjos sutis para cordas alimentam o balanço muito bem, como
habilmente executado (e conduzido) pela violinista Meg Okura, com Tomoko
Akaboshi no segundo violino, Judith Insell na viola, Rubin Kodheli no cello e Jeffrey
Carey no baixo.
"Hey
You (Scintilla of Sonder)" captura este momento quando alguém está entre
estranhos no trem e imagina sobre suas vidas, seus sonhos, alegrias, decepções.
Claasen realiza um trabalho fantástico com a melodia em todos os aspectos,
habitando o estado de espírito e executando a melodia exigente. As melodias
vocais de Rovatti são intricadas e parecem querer estender-se em ambas as
direções. Cordas—frequentemente em pizzicato—evocam os passageiros desconhecidos
em sua orquestração, uma escolha refrescante de timbre e textura neste contexto.
Num solo de tenor investigativo com um virtuosismo ruminativo, Rovatti evoca as
vidas interiores das pessoas que ela observa. "Make Up Girl", por
contraste, é uma música instrumental com uma melodia flutuante, um balanço
impulsionado por uma linha de baixo distinta e solos envolventes de Rovatti no
soprano e Brecker no trompete surdinado. E como ela mostra em "Red
August" e em outros lugares, Rovatti está decididamente em casa no tenor com
um balanço funkeado de sua própria concepção. Suas composições contêm mudanças
formais e harmônicas que servem ao ethos da peça e encorajar a liberdade
expressiva.
Entre um
número de ótimas faixas no álbum, "Done Deal", a última música, é um
nocaute. A faixa apresenta Elling e Haris em papéis de homem e Deus,
respectivamente. Os vocalistas estão mais do que à altura da tarefa, como eles
demonstram em retratos que estão certos: perversamente engraçado, autoconsciente
e musical. É a história de um homem que se encontra com seu criador na Golden
Gate. Não é seu tempo, como acontece, e a divindade acaba advertindo-o a voltar,
continuar vivendo, consertar o que puder e ser grato pelo que tem. Foi um sonho.
Ao acordar, a voz do ser divino se mistura com a de sua esposa, lembrando-os a tirar
o lixo e comprar comida de gato. O tenor de Rovatti serve como a voz interior
de um homem, respondendo. Igualmente, a guitarra de Finnerty suporta as
palavras da deusa durante seu turno solo. Rovatti volta sorrateiramente para a
seção final, gradualmente incrementando em intensidade, em pleno lamento até o
final. A peça é robusta e cheia de pequenas surpresas, com uma teatralidade
alimentada por um ritmo gospel no início e uma forma que inclui modulações
repentinas e mudanças de sentimento, alinhando com abruptas reviravoltas na
narrativa. As melodias estridentes de Rovatti aumentam o drama. A composição e
performance têm apenas a combinação certa da gravidade e humor.
Faixas: Make Up Girl; Hey You (Scintilla Of Sonder) (apresentando
Fay Claassen); Painchiller; Life Must Go On (apresentando Alma Naidu);
Grooveland; Take It Home (apresentando Niki Haris); Simba's Samba; Red August;
The Naked King; Done Deal (apresentando Niki Haris e Kurt Elling).
Músicos: Ada Rovatti (saxofone tenor); Randy Brecker
(trombone); Claus Fischer (baixo); Simon Oslender (teclados); Tim Dudek
(bateria); Niki Haris (vocal); Fay Claassen (vocal); Alma Naidu (vocal); Kurt
Elling (vocal); Tom Guarna (guitarra elétrica); Dean Brown (guitarra elétrica);
Barry Finnerty (guitarra elétrica); Café Da Silva (percussão); Guilherme
Monteiro (guitarra); Larry Saltzman (banjo); Meg Okura (violino); Tomoko
Akaboshi (violino); Judith Insell (viola); Rubin Kodheli (cello); Jeffrey Carey
(baixo acústico).
Fonte: Katchie Cartwright (AllAboutJazz)

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