Em “Túnel Acústico (Acoustic Tunnel)”, Marcos Valle remonta
ao final da década de 1970, quando Brasil estava sob a ditadura militar e estava
vivendo na Califórnia, trabalhando com pessoas como Sarah Vaughan e outros
expatriados brasileiros como Eumir Deodato e Airto Moreira. Valle cresceu no
Rio de Janeiro, parte de uma segunda geração de músicos de bossa nova que
tiveram que inventar seu caminho em um clima político difícil. Ele viajou para
os Estados Unidos para uma excursão com Sérgio Mendes em 1965 e ficou em Los Angeles
até 1967, colaborando e atuando. Saudades da sua terra natal e trepidações sobre
a Guerra do Vietnam o levou de volta ao Rio, onde permaneceu durante a maior
parte dos anos 70 e obteve grande sucesso escrevendo trilhas sonoras para
novelas. Cansado da censura do regime militar, ele deixou o país novamente em
79, retornando à Califórnia.
Duas faixas em “Túnel Acústico” originam-se a partir dessa
época (1979), ancorando o lançamento: "Life Is What It Is" e
"Feels So Good". Um demo que Valle e o compositor e produtor de soul
Leon Ware fizeram de "Feels So Good" — não confundir com a música e o
álbum de mesmo nome de Chuck Mangione (A&M Records, 1977) — estava em uma
prateleira na casa de Valle há décadas. Sua equipe de produção reconstruiu,
arrancando os vocais arranhados, enquanto preservava a voz de Ware no gancho, abrindo
espaço para Valle inserir uma nova letra em português e fazer sobreposição de
mais teclados e percussão. Valle coescreeveu "Life Is What It Is" com
o percussionista brasileiro Laudir de Oliveira, que estava com a banda Chicago ao
tempo. Aparece em “Chicago 13 (Columbia Records, 1979)”, com letras do
tecladista Robert Lamm. O álbum foi criticado, mas a música foi poupada do
pior, com uma crítica chamando-a de um dos "poucos momentos
redentores". A composição tornou-se o single principal de “Túnel
Acústico”, numa versão sem palavras e com um pulsação ligeiramente mais alegre,
que ainda carrega o perfume e o som da época.
O lançamento de “Túnel Acústico” coincide com o 81º
aniversário de Valle e celebra seus 42 anos como criador de músicas com uma
excursão pela Europa e América do Norte junto com o Azymuth, grupo
brasileiro de jazz-funk que—como Valle— está nisto desde o início dos anos 70. Sua
banda inclui o baixista Alex Malheiros e o baterista Renato Massa—membros do Azymuth—ao
lado do percussionista Ian Moreira, do guitarrista Paulinho Guitarra e do
trompetista Jessé Sadoc. Para criar novas peças para o programa, Valle colaborou
com letristas incluindo seu irmão e frequente parceiro Paulo Sergio Valle
("Tem Que Ser Feliz") e a celebrada vocalista e compositora Joyce
Moreno ("Bora Meu Bem"), assim como compositores de uma geração mais
jovem: Moreno Veloso (filho de Caetano Veloso) e a cantora e compositora Céu.
Na névoa nostálgica de um trabalho infundido com sons retrô
e balanços passados, a letra de Joyce para "Bora Meu Bem" (Let's Go,
My Dear) emerge como um farol, uma subversão de sentimentalismo, uma exortação
para "levantar um pouco de poeira" e seguir em frente. "Let's
get on this train" ela insiste, "vamos acreditar no sonho que falhou".
Fortalecida na ponte pelo som imponentemente religioso de um órgão, ela reitera
— na suave voz de Valle —que " o olhar no espelho retrovisor acabou",
que " agora é hora de cuidar do que virá". Suas palavras nos trazem
ao presente momento o histórico de desastres naturais pela ganância e pela
complacência da conveniência. "Vamos mais longe", ela pede a Valle,
levantando um apelo para "reunir o que estava dividido" em um
contexto global de acrimônia política, com valentões se esforçando para liderar
aumentando a discórdia.
Faixas: Todo Dia Santo; Life Is What It Is; Assim Não Dá;
Para De Fazer Besteira; Bora Meu Bem; Túnel Acústico; Marcos Valle & Leon
Ware - Feels So Good; Não Sei; Palavras Tão Gentis; Tem Que Ser Feliz; Thank
You Burt (For Bacharach); Feels So Good (Instrumental); Life Is What It Is
(Instrumental).
Músicos: Marcos Valle (multi-instrumentista); Renato Massa
(bateria); Alex Malheiros (baixo elétrico); Ian Moreira (percussão); Jessé
Sadoc (trompete); Patricia Alvi (vocal); Leon Ware (vocal); Daniel Maunick
(teclados).
Fonte: Katchie
Cartwright (AllAboutJazz)
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