Rachel Therrien é uma compositora e trompetista canadense
com uma longa trajetória, embora seu nome possa ser desconhecido para muitos. A
jornada musical de Therrien a levou de Rimouski, Quebec, a Havana, Cuba,
passando por Nova York e Colômbia. Seu projeto de jazz latino é, no mínimo,
fascinante, e provavelmente merece um nome como jazz latino de vanguarda,
embora rótulos inevitavelmente só confundam as coisas. Escute com muita
atenção, porque se Jerry Gonzalez, Freddie Hubbard e Chicago parecem passear
por esta gravação, bem, eles passeiam mesmo. Se um ouvinte é viciado em
contagem e sutilezas rítmicas, existe, sim, uma clave, pelo menos às vezes,
mesmo que Therrien e seus companheiros de banda não estejam ensaiando o óbvio. Therrien
é uma instrumentista e intérprete extraordinária, independentemente de rótulos
e convenções. “Mi Hogar II” é uma produção excepcionalmente interessante, que
recompensa a escuta atenta que exige.
Therrien não é exatamente uma novata e certamente não é um
sucesso da noite para o dia. Ela grava pelo menos desde 2011, tendo trilhado o
caminho das big bands com a The DIVA Jazz Orchestra e se aventurado
pelas margens mais selvagens da Cuba pós-Fidel (Therrien chegou a compor uma
música em homenagem à revolucionária cubana de 1959, Haydée Santamaría). “Mi
Hogar II” começa, de forma um tanto enganosa, com uma peça chamada
"Fiestas Campesinas", aparentemente uma sonata romântica de 32
compassos para piano, apenas para mergulhar abruptamente em um território de
hard bop, com Therrien executando casualmente um solo áspero, que deixa o
ouvinte momentaneamente atônito tanto com sua técnica quanto com sua
inventividade. Devia ser alguma festa lá no campo, o que às vezes acontece. Therrien
pinta um quadro digno de Pedro Páramo ou de algum outro romance do boom da
literatura de realismo mágico na América Latina, o que leva o leitor a se
perguntar: "O que acabou de acontecer?". "Orun" prossegue
em um ritmo mais lento, construído em torno de uma figura repetida, que se abre
em uma suntuosa excursão de trompete de tom amplo, fechando-se em torno da
mesma figura. "Back Home" é uma composição de Therrien que, segundo
ela, "captura a essência dessa música [o jazz latino de Nova Orleans], ao
mesmo tempo que celebra sua evolução contínua" desde Nova Orleans e além. "Sueños
de Cambios" é uma balada com flügelhorn e Elizabeth Rodriguez no violino.
"Mambo Chucho Influenciado" é uma peça polirrítmica com Therrien
executando linhas de violino no trompete sobre um montuno (NT: padrão rítmico repetitivo e sincopado, tipicamente de dois
compassos, usado em música cubana e caribenha, como na salsa),
"misturando ritmos latinos tradicionais com elementos de jazz
contemporâneo". É uma verdadeira demonstração de virtuosismo, assim como a
parte vocal em "Beauty Free" que, em seu refrão, proclama "busco
la libertad" (busco a liberdade).
E isto resume admiravelmente a gravação: ela se liberta das
amarras e clichês usuais de estilo, gênero ou tradição, mantendo-se
inconfundivelmente jazz latino. A produção é um deleite em todos os níveis, dos
arranjos às composições.
Faixas: Fiestas Campesinas; Orun; Back Home; Sueños de
Cambio; Soucy; Mambo 'Chucho' Influenciado; Beauty Free.
Músicos: Rachel Therrien (trompete); Michel Medrano Brindis
(bateria); Manuel Valera (piano); Danae Olano (piano); John Benitez (baixo); Roberto
Riveron (baixo); Alex Bellegarde (baixo acústico); Keisel Jimenez (congas);
Magdelys Savigne (percussão); Diomer González (congas); Elizabeth Rodriguez
(violino); Ivan Renta (saxofone); Rafi Malkiel (trombone); Nestor Rodriguez (saxofone);
Willy Soto Barreto (piano); Andy Rubal (piano); Luis Izquierdo (baixo); Carlos
Maldonado (percussão); Lazaro Martinez (congas).
Fonte: Richard
J Salvucci (AllAboutJazz)

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