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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

CIDADE FICA A VER NAVIOS... E TRIOS (A TARDE - 20 JAN 2008)

"Quem é que está cantando?", pergunta o professor universitário Antônio Pinho para algumas pessoas atentas à música que ele acaba de botar no CD player. Palpites daqui e dali, mas ninguém acerta. A raridade, uma gravação dos anos 60 do ponta-esquerda Tite, do Santos, em que canta uma música de Tom Jobim, agora se incorpora ao repertório dos demais. Para Pinho, quanto mais a dúvida dos outros se prolonga, "maior é o orgasmo". É nesse nível de paixão que, além dessa espécie de jogo, os membros da Sojazz se reúnem para trocar informações sobre música e compartilhar CDs, vinis e DVDS todos os sábados, a partir das 16 horas, no restaurante La Provence (Cidade Jardim), aberto a quem quiser participar. Os encontros costumam colocar na mesma mesa administradores, um estudante universitário, um psicanalista, um procurador público e engenheiros. Independentemente da formação, é o prazer que os une. A descontração, contudo, abre espaço para palavras nada elogiosas se é para qualificar a relação da Bahia com o jazz: "Desprezo". "Desconhecimento"."Desinformação". "Jazz é uma maneira de tocar e, para nós, de ouvir", diz o engenheiro Ricardo Silva, secretário da instituição formada oficialmente (com estatuto e tudo) em dezembro de 2002. Para ele, o benefício cultural de uma relação mais estreita com o jazz permitiria à Bahia expressar o que os Estados Unidos e Cuba já fizeram com suas músicas."A Bahia está fora do mundo do jazz. No mundo, há globalização até de pirulito. Mas ninguém vem à Bahia e ninguém sai", constata Ricardo. Como parte das ações da Sojazz, eles já promoveram uma temporada de shows que durou seis meses no restaurante Salvador Dalí e, no ano passado, realizaram o projeto Jazz na Reitoria. Uma ação prioritária para a sociedade, agora, é viabilizar a realização de um festival internacional de jazz em Salvador. Com projeto aprovado pela Lei Rouanet, no valor de R$ 1, 3 milhão, há um ano e dois meses tentam captar os recursos necessários.FESTIVAL ADIADO – De acordo com a produtora Juciara Melo, da Portte Eventos, parceira da Sojazz, a equipe tinha pauta para realizar o festival em novembro último, no Teatro Castro Alves, mas pediu adiamento para maio. Às vésperas do Carnaval, quando o cenário da cidade já está tomado por camarotes e outdoors com as festas que os empresários e poderes municipal e estadual usam como vitrines para o mundo, talvez a data sofra novo adiamento, já que é preciso conciliar o evento com as agendas das atrações. Para os grandes shows que costumam acontecer na cidade, basta um bom espaço aberto e a certeza da presença de um público que não está muito interessado na qualidade acústica, mas no ritmo. A produtora cultural Ieda Almeida foi contra a corrente, teve a coragem de enfrentar essa situação e jogou alto: trouxe Madeleine Peyroux a Salvador, ano passado, e os ingressos se esgotaram.Seu desafio foi duplo: mostrar ao País que em Salvador há público para jazz e mostrar à cidade que sair da mesma nota amplia experiências estéticas e culturais. Ieda acredita que os empresários investem no Sul porque há uma cultura favorável e eles têm certeza do retorno: “A Bahia ficou muitos anos tendo como repertório único a música baiana; por sua vez, os empresários não investem porque não acreditam que haja espaço nem retorno”. A política da meia-entrada – o percentual na Bahia é o maior do Brasil – é outro problema que ela aponta, ao lado da mentalidade do empresário baiano, “que só abre espaço para megashows de axé“. A inexistência de uma casa de espetáculos, além do TCA, a seu ver, também compromete as produções. “Salvador comporta até duas casas, o que beneficiaria não só o jazz, mas a MPB e outras linguagens”. "E pensar que Keith Jarrett, Betty Carter, Chick Corea, Ellis Marsalis, Tony Bennett, Don Pullen e outras feras do jazz já se apresentaram em Salvador", suspiram alto as pessoas da terra que amam o jazz.

Marcos Dias (mdias@grupoatarde.com.br)

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